
Para além das inevitáveis e salutares diferenças de opinião que qualquer filme pode suscitar, creio que se discute muito pouco o modo como as tendências dominantes do mercado passaram a enquadrar os produtos cinematográficos. Veja-se o caso de Antes que o Diabo Saiba que Morreste, prodigioso filme do veterano Sidney Lumet agora chegado discretamente às salas de cinema (ainda bem que chegou e não teve a “sorte” de ir directamente para DVD). É bem certo que nele se reúnem quatro actores profusamente nomeados para os Óscares: Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney [foto] (Hoffman e Tomei já ganharam: ele melhor actor, ela melhor actriz secundária, respectivamente em Capote e O Meu Primo Vinny). Mas será que um objecto com tanta gente ilustre tem a evidência pública que merece?


Antes que o Diabo Saiba que Morreste colhe o seu título num provérbio de origem irlandesa, qualquer coisa como: “Que possas estar no Céu uma boa meia hora antes que o Diabo saiba que morreste.” Afinal de contas, esta é uma história de personagens que, na sua procura de um Bem mais ou menos idealizado, acabam por atrair as forças de um Mal que não dá tréguas. Ou ainda, e para sermos mais específicos: aqui se conta a história de dois irmãos que, face aos muitos impasses financeiros e afectivos das suas vidas, decidem assaltar a ourivesaria... dos próprios pais!
Digamos, para simplificar, que Lumet é um cineasta da ambivalência dos comportamentos, logo da fragilidade da moral com que vemos (ou tentamos corrigir) o mundo. Ele filma as contradições das formas de organização social e familiar, descobrindo, para além de todas as máscaras, a devastada vulnerabilidade do género humano. Não será um cinema diabólico, mas é bem verdade que o Diabo tem sempre lugar no elenco.