Uns Oscars concebidos para os mais jovens? Sim, sem dúvida... resta saber onde pára a cinefilia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Março).
A 83ª cerimónia dos Oscars da Academia de Hollywood (madrugada de domingo para segunda-feira) foi concebida para a recuperação de audiências nos EUA. Mais concretamente: para a reconquista dos espectadores mais jovens, em particular os que, de acordo com as estatísticas americanas, têm entre 18 e 34 anos. Os números disponíveis indicam que o objectivo falhou: o público pertencente àquela faixa etária baixou cinco por cento em relação ao ano passado. Aliás, em termos globais, a audiência também baixou, já que o espectáculo do Kodak Theater mobilizou 37,6 milhões de espectadores, contra 41,7 na edição de 2010.
A situação não pode deixar de envolver uma amarga ironia. Afinal de contas, muitos aspectos da cultura televisiva têm contribuído para a banalização do espectáculo cinematográfico e, em particular, para a indiferença em relação aos seus rituais específicos. O certo é que a complexa interacção dos mercados, do marketing e da publicidade faz com que o cinema procure na televisão (e pela televisão) as euforias de uma celebração que, em boa verdade, nasceu desligada das exigências do pequeno ecrã.
Ainda assim, relativizemos um pouco: mesmo com essa baixa, a audiência dos Oscars continua a constituir um importante fenómeno de público. O problema não está tanto nos altos e baixos dos números como na dificuldade de afirmar o carácter singular do universo cinematográfico e dos seus valores. Dir-se-ia que o poder de Hollywood (e do cinema, em geral) passou a viver assombrado pelo ecumenismo televisivo, tão abrangente quanto simplificador.
Resta saber que lastro poderá deixar a opção por dois apresentadores (os actores James Franco e Anne Hathaway) muito mais jovens do que é habitual. Se se tratava de criar uma ligação directa com os tais espectadores que encaixam no rótulo “juvenil”, não deixa de ser desconcertante observar que o momento mais forte da noite tenha pertencido a um veterano como Kirk Douglas... O que deixa uma dúvida pertinente: trata-se de “rejuvenescer” a imagem televisiva dos Oscars ou antes de saber revalorizar a memória cinéfila?