domingo, novembro 21, 2010

Abbas Kiarostami em discurso directo (2/2)


[1] Para o seu novo filme, Cópia Certificada/Copie Conforme, o cineasta iraniano Abbas Kiarostami deslocou-se a Itália, à Toscânia. Nas suas deslumbrantes paisagens, ele encena o encontro de uma francesa (Juliette Binoche), proprietária de uma galeria, e um inglês (William Shimell), escritor a promover o seu livro mais recente: é um diálogo marcado pelas diferenças e cumplicidades das relações humanas. Esta é a conclusão de uma conversa, registada no último Festival do Estoril, que serviu de base a uma entrevista publicada no Diário de Notícias (18 de Novembro).

Pensando no seu filme Shirin (sobre uma plateia de mulheres que assistem a um filme), será que esse ritual tem, sobretudo, uma dimensão feminina?
Sim, existe uma comunidade das mulheres que é diferente e nem sequer sinto necessidade de justificar a resposta. Não tenho nenhum prova nem nenhum manifesto a apresentar. É aí que reside toda a beleza e complexidade da nossa existência.

Como foi o trabalho com Juliette Binoche? Houve margem para alguma improvisação?
Creio que há duas dimensões desse trabalho: uma escrita, outra espontânea. Na verdade, sinto-me ainda demasiado próximo do filme, preciso de mais tempo para avaliar tudo isso. Em todo o caso, se o filme tem algum valor e interesse, creio que decorre da proximidade que existe entre Juliette, enquanto mulher, e a sua personagem.

Esse tempo de que precisa leva-o, por vezes, a descobrir aspectos dos seus filmes que, afinal, desconhecia?
Não diria descobrir, mas é, de facto, possível ter um olhar de natureza diferente. Digamos que, face a Cópia Certificada, tenho ainda um olhar de técnico, não consigo ter o espírito virgem do espectador. Pergunto-me se o filme está bem feito ou não, se tem a boa duração, como funcionam as cenas, se devia ter posto música ou não...

Em vários dos seus filmes, há personagens de cineastas: podemos deduzir que são personagens com alguma dimensão autobiográfica?
Se há tantos cineastas nos meus filmes, isso quer dizer que me faltou imaginação para transformar essas personagens observadoras em marceneiros ou escritores. Por isso, devo também dizer que todos os filmes que fiz são inspirados em situações que eu próprio testemunhei.

E em que quase todos os filmes, há cenas de personagens a conversar em automóveis em movimento...
Gosto muito do espaço fechado de uma automóvel porque envolve uma intimidade que, de alguma maneira, nos é imposta. Além disso, agrada-me que essa intimidade seja vivida em movimento. Não é preciso “parar” o tempo, como quando falamos numa sala: é como se nos deslocássemos paralelamente ao tempo e à vida... Já respondi muitas vezes a essa questão, mas só agora me apercebi de outro aspecto: é o valor do silêncio no interior do automóvel. Numa conversa como esta, um momento de silêncio pode ser embaraçoso: olhamos para o relógio e dizemos que é preciso ir embora. Dentro de um automóvel, é como se o silêncio fosse legítimo: a cada interrupção, cada um olha a paisagem e, um pouco mais tarde, o diálogo pode ser retomado de forma natural.

Talvez possamos, um dia, gravar uma entrevista num automóvel.
É sempre melhor! No Irão, com os meus alunos isso acontece-me muitas vezes. Por vezes, não tenho tempo para falar com eles. Como sei que todos os dias, devido ao trânsito em Teerão, sou obrigado a fazer uma hora de automóvel, digo para aparecerem em minha casa e fazermos o trajecto juntos. Os alunos ficam sempre encantados e dizem-me mesmo que essas conversas são mais produtivas que as aulas.