domingo, agosto 22, 2010

Os números das bilheteiras contra a cinefilia

Que liga estas duas imagens? São manchetes de hoje, 22 de Agosto, de publicações de referência da imprensa americana sobre cinema (e espectáculos): The Hollywood Reporter e Variety. Nelas podemos saber da performance de Os Mercenários, de e com Sylvester Stallone, garantindo pela segunda semana consecutiva o primeiro lugar do box office americano. Que acontece, então? Apenas isto: o triunfo pleno de um modo de informar que confere aos valores dos rendimentos uma primazia que tende a menorizar todos os outros factores envolvidos na vida dos filmes.
Repare-se: não se trata de lançar qualquer dúvida ou suspeita "justificada" pelo facto de a evidência recair, neste caso, sobre um péssimo filme (afinal de contas, a indústria cinematográfica americana é um casao exemplar de transparência estatística). Como não se trata de alimentar a estupidez que insiste em dividir o cinema entre filmes "divertidos" (que, supostamente, dão sempre dinheiro) e filmes "sérios" (que, supostamente, são fabricados por e para "intelectuais") — já basta o que basta... Trata-se mesmo de referir um fenómeno jornalístico e mediático que envolve todos os filmes que conseguem rendimentos de topo (exemplo recentíssimo: o brilhante Inception/A Origem, de Christopher Nolan).
O que está em causa é outra coisa — e é, sobretudo, de outra natureza. Que é como quem diz: o que triunfa é uma forma de informar (sobre cinema) em que os números das bilheteiras, de tão repetidos e agressivos, tendem a ser, para muitos espectadores, a única forma de percepção do mundo plural do cinema.
Aliás, basta circular um pouco pela Net para verificar que este tipo de notícia se reproduz, como um vírus, em inúmeros sites e blogs. A questão de fundo é, ainda e sempre, a mesma: por mais que seja importante (e é!) conhecer, compreender e analisar a vida económica do cinema, os seus dados não contribuem, por si só, para qualquer forma de cinefilia.