Sem querer estar a repetir argumentações mais ou menos longas e dispersas, publicadas nomeadamente neste blog, creio que José Sócrates está a ser sujeito a um processo de desgaste mediático semelhante ao que teve Pedro Santana Lopes como alvo (quando da sua passagem pelo cargo de primeiro-ministro). Não se trata, nesta nota, de discutir os labirintos da justiça e os enunciados que produz. Muito menos de alimentar a histeria de julgamentos na praça pública. Independentemente da legítima especulação sobre a "inocência" ou "culpa" dos visados, os acontecimentos em catadupa têm um efeito que quase ninguém — sobretudo no espaço específico dos jornalistas — parece querer enfrentar. Que efeito é esse? O de um quotidiano desgaste da imagem global da classe jornalística e a consequente (e crescente) desconfiança do público consumidor de informação.
Só por infantilismo filosófico ou hipocrisia moral se poderá pensar que o cliché mais automático — "a classe política é uma desgraça..." — é um fenómeno cândido cuja ressonância se esgota no objecto que nomeia. Julgar que a sistemática degradação da imagem pública da classe política é algo que se estanca nas próprias fronteiras dessa classe é, além do mais, implicitamente, passar um tratado de estupidez àquele público consumidor. Bem pelo contrário: cresceram imenso o desencanto, a desconfiança ou mesmo a liminar rejeição desse público em relação a muitas formas de actuação do mais corrente jornalismo de "investigação", alarmista e fulanizado, que prolifera, eufórico, como se tivesse um aval divino para proclamar uma verdade única e incontestável.
Num país de quebra generalizada da leitura dos jornais e de crescente afastamento dos consumidores do modelo da televisão generalista (em favor de alternativas contidas na pluralidade do cabo), a classe jornalística corre o risco de não compreender que é o seu estatuto, a sua dignidade — e também o seu valor comercial — que estão em crise.