sábado, novembro 21, 2009

Pedro Costa: documentário & ficção

A estreia de Ne Change Rien [com Jeanne Balibar — foto], de Pedro Costa, conclui um ciclo de difusão iniciado com a reposição da sua primeira longa-metragem, O Sangue (1989), seguida da respectiva edição em DVD — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (25 de Setembro), com o título 'A estrutura técnica do cinema português está agonizante'.

Qual é o sentimento de regressares ao filme O Sangue e, em particular, voltar a apresentá-lo ao público?
É muito estranho...

Porquê? Porque já passaram vinte anos?
Esse é o primeiro choque, ligado à minha vida: já foi há vinte anos... O segundo é a própria reposição de um filme português: é raro, de facto, e acontece sobretudo por causa da edição em DVD. Tentou fazer-se o melhor possível, aproveitando um bom equipamento de restauro que a Tóbis adquiriu. Infelizmente, isso acontece ao mesmo tempo que a Tóbis está agonizante: a parte química está com serviços limitadíssimos, já que quase toda a gente filma em video.

Quer isso dizer que, para além dos problemas de financiamento do cinema português, se está a desmoronar a sua estrutura técnica?
Completamente. Em conferências de imprensa e algumas estreias faz-se passar uma certa imagem de saúde, porque temos um parque de material extraordinário, porque temos estúdios como nunca tivemos... De facto, temos estúdios para telenovelas e, no da Tóbis, fazem-se concursos.

Diz-se, por vezes, que o cinema português é mal amado no seu próprio país e que, se não for algum reconhecimento internacional, os cineastas têm dificuldades acrescidas.
Os filmes, portugueses ou outros, são cada vez menos vistos. Há filmes que passam indiferentemente pelas salas. A cabeça das pessoas está virada para outro lado: para o DVD, para a casa, para imagens e sons que fazem com que os filmes que fazemos não consigam cinco segundos de atenção.

Isso tem a ver com o triunfo de um outro tipo de cultura, que é necessaria-mente uma cultura televisiva?
Claro que tem. Mas é preciso dizer que a minha experiência internacional também me mostra coisas que não são bonitas de ver. Por exemplo, há dois anos passei muito tempo na América acompanhando a estreia de Juventude em Marcha e mostrando os meus outros filmes. Em Nova Iorque tive salas cheíssimas, com debates, mas aconteceu-me ir a Filadélfia e o organizador das sessões era também quem transportava as cópias e distribuía os panfletos: era como se fosse o Cineclube de Avanca, nem mais, nem menos...

Apesar de tudo, o facto de a Criterion se interessar pelo teus filmes significa que há um público potencial.
De facto, o mercado do DVD e as salas são, cada vez mais, mundos opostos. E em conflito. No caso da Criterion, a tiragem mínima que eles fazem é de dez mil: é isso, aliás, que vai acontecer com a caixa com três filmes meus mais um disco de extras. Eu até lhes disse: vocês não se desgracem...
Como és enquanto espectador? Tornaste-te também, sobretudo, um espectador de DVD?
Não sou nada como o Jacques Rivette que gosta de ir às salas. Gostava de voltar a ter esse gosto... Não é por desinteresse em relação ao cinema corrente, seja ele qual for, o certo é que District 9 ou Cloverfield vi-os em DVD. E compro os DVD.

Ao filmares Ne Change Rien, será que a música e a presença de Jeanne Balibar desafiaram, de alguma maneira, as componentes do teu universo?
Levei algum tempo a aceitar o desafio. Aliás, o projecto foi colocado de maneira clássica: “Queres fazer um clip?” Depois desenvolveu-se uma amizade, passou-se do clip a um concerto, do concerto a outra coisa: “Vem ver como trabalhamos, vem acompanhar os ensaios.”

Daí a atenção ao trabalho e aos seus erros. Será que aquilo que não é programado pode envolver um efeito de verdade muito forte?
Creio que é preciso dizer que o erro nem sempre é aquilo a que as pessoas estão habituadas. E sobretudo no cinema. Basta voltar ao cinema mudo para perceber.

O que também torna muito relativas as noções de “ficção” e “documentário”.
Claro: a sua oposição deixa de fazer sentido.