A maioria dos comentadores de futebol insiste em descrever os jogos como se estivéssemos a assistir a uma sessão de tribunal. Porquê e para quê? -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (4 de Setembro), com o título 'Futebol com justiça'.
Em muitas transmissões de futebol, a utilização do tempo infinito dos verbos tornou-se um caso perdido. Se um crítico de cinema se atrever a falar dos “planos subjectivos” de Hitchcock ou da “montagem das atracções” em Eisenstein, haverá sempre alguém para proclamar que “esse fulanos são umas bestas”... Entretanto, continuamos a ouvir coisas do género: “Sobre esta segunda parte, dizer que o jogo tem sido...” E ninguém reage, ninguém faz nada. Aliás, parece que se tornou mesmo chique falar mal português e já ouvi na rádio, várias vezes, o mesmo disparate.
Enfim, algo parece estar a mudar. Tem a ver com o heróico conceito de justiça que a maioria dos comentadores insiste em promover. Não que eles esclareçam que sistema de leis legitima a sua justiça. Sobretudo, que fazer quando o resultado é “injusto”? Talvez invadir o campo... Mas algo está a mudar, insisto. Agora há comentários construídos desta espantosa maneira: “De facto, o futebol não tem nada a ver com a justiça, mas podemos dizer que este resultado é justo!”
Que nos valha “Nossa Senhora” do segundo poste e dos lances de bola parada! Como é possível que não se pense o que significa comunicar (em televisão) e que palavras podem fazer sentido (ou não) face à complexidade e fascínio de um jogo de futebol. Aquela formulação é um refinado absurdo, dos mais grosseiros que circulam no espaço televisivo. Mas o mais chocante é o facto de nela se reflectir uma absoluta falta de convicção em relação aos valores descritivos que se aplicam.
A obsessão de querer obrigar os resultados do futebol a funcionarem como um aparelho de justiça favorece um ambiente de crispação e conflito. Não, não estou a responsabilizar os comentadores pelo comportamento grosseiro de alguns adeptos. Estou apenas a dizer que esta ideologia coloca o futebol num plano totalmente erróneo, contaminando-o com sentimentos que a injustiça, naturalmente, desencadeia: a indignação e a revolta. Qual é o problema de uma péssima equipa ganhar a uma excelente equipa? Se encaramos isso como uma forma de injustiça, é preciso termos a certeza de que temos alguma forma de reparação moral para sugerir. Qual? Linchar o árbitro será uma opção?
Em muitas transmissões de futebol, a utilização do tempo infinito dos verbos tornou-se um caso perdido. Se um crítico de cinema se atrever a falar dos “planos subjectivos” de Hitchcock ou da “montagem das atracções” em Eisenstein, haverá sempre alguém para proclamar que “esse fulanos são umas bestas”... Entretanto, continuamos a ouvir coisas do género: “Sobre esta segunda parte, dizer que o jogo tem sido...” E ninguém reage, ninguém faz nada. Aliás, parece que se tornou mesmo chique falar mal português e já ouvi na rádio, várias vezes, o mesmo disparate.
Enfim, algo parece estar a mudar. Tem a ver com o heróico conceito de justiça que a maioria dos comentadores insiste em promover. Não que eles esclareçam que sistema de leis legitima a sua justiça. Sobretudo, que fazer quando o resultado é “injusto”? Talvez invadir o campo... Mas algo está a mudar, insisto. Agora há comentários construídos desta espantosa maneira: “De facto, o futebol não tem nada a ver com a justiça, mas podemos dizer que este resultado é justo!”
Que nos valha “Nossa Senhora” do segundo poste e dos lances de bola parada! Como é possível que não se pense o que significa comunicar (em televisão) e que palavras podem fazer sentido (ou não) face à complexidade e fascínio de um jogo de futebol. Aquela formulação é um refinado absurdo, dos mais grosseiros que circulam no espaço televisivo. Mas o mais chocante é o facto de nela se reflectir uma absoluta falta de convicção em relação aos valores descritivos que se aplicam.
A obsessão de querer obrigar os resultados do futebol a funcionarem como um aparelho de justiça favorece um ambiente de crispação e conflito. Não, não estou a responsabilizar os comentadores pelo comportamento grosseiro de alguns adeptos. Estou apenas a dizer que esta ideologia coloca o futebol num plano totalmente erróneo, contaminando-o com sentimentos que a injustiça, naturalmente, desencadeia: a indignação e a revolta. Qual é o problema de uma péssima equipa ganhar a uma excelente equipa? Se encaramos isso como uma forma de injustiça, é preciso termos a certeza de que temos alguma forma de reparação moral para sugerir. Qual? Linchar o árbitro será uma opção?