Face à crise instalada na TVI -- com óbvios ecos na vida política e na simbologia social --, será oportuno reafirmar duas ideias fundamentais:
1) - a defesa dos princípios básicos da liberdade de imprensa;
2) - a desmontagem crítica do modelo de (anti)jornalismo protagonizado por Manuela Moura Guedes.
E importa também não desistir de pensar. Mais que tudo, importa recusar os clichés jornalísticos e televisivos que em nada nos ajudam a lidar com a complexidade do presente e a pluralidade da história -- antes do mais, da história de Portugal.
Assim, talvez seja oportuno discutir a facilidade e, sobretudo, o automatismo com que a palavra "censura" vai contaminando muitas discussões sobre jornalismo que se vão desenvolvendo no nosso país. Em primeiro lugar, é preciso lembrar, sem dramatismos, que o facto de um jornalista encontrar algum tipo de resistência ao seu trabalho não pode ser automaticamente classificado de censura. Porquê? Porque muitas vezes esse tipo de classificação arrasta um pressuposto obsceno e, em boa verdade, antidemocrático: o de que o jornalista está liberto de qualquer tipo de responsabilidade face ao órgão de informação em que trabalha, em particular, e à dinâmica social, em geral.
Nenhuma situação é linear. Nenhuma situação pode ser confundida com outra. Daí que importe também resistirmos à ideia corrente segundo a qual a linha de separação entre "censura" e "liberdade" é sempre nítida e nitidamente universal. Acima de tudo, a simples necessidade de não banalizarmos as diferenças passado/presente obriga-nos a recordar que, de facto, a censura já foi uma prática institucional (e institucionalizada) do Estado, durante o regime salazarista.
Curiosamente, aliás, estupidamente, essa memória não só se banalizou como nos impede de lidar com a pluralidade contraditória dos factos. Por exemplo, lembremos: ainda em tempos de censura institucional (estou a pensar na chamada "Primavera marcelista", isto é, nos anos posteriores à morte de Salazar, até ao 25 de Abril de 1974), desenvolveu-se em Portugal um jornalismo cultural (basta recordar os suplementos culturais dos jornais da tarde: Diário Popular, Diário de Lisboa e A Capital) com uma dimensão sem equivalente na actual conjuntura jornalística portuguesa (e este é apenas um exemplo de como estamos a perder os mais jovens quando promovemos a ignorância, "ensinando-lhes" que a vida no Portugal do Estado Novo se resume a um pide em cada esquina...).
Quer isto dizer que o Estado Novo não foi uma ditadura? Não. Quer isto dizer que devemos menosprezar as virtudes da nossa vida democrática? Não.
Quer apenas dizer que precisamos de ter a inteligência de não nos enredarmos nos maniqueísmos pueris com que, por vezes, a nossa democracia mediática nos impede de aceder aos muitos rostos de qualquer história -- de qualquer momento da nossa história.