Face ao caso Manuela Moura Guedes/TVI, é preciso defender a liberdade de imprensa? Sem dúvida. Mas é preciso também avançarmos para além do formalismo de nos reconhecermos todos muito democratas. É preciso, antes de tudo o mais, sublinhar que o caso passou a integrar componentes do mais puro delírio kafkiano. A saber: a peça sobre o Freeport, anunciada por Manuel Moura Guedes para o seu regresso de sexta-feira, dia 5, não passou... apresentada por ela, mas foi a peça de abertura do 'Jornal de Sexta', incluindo uma referência ao facto de ter sido preparada por... Manuela Moura Guedes.
Pensava eu que este absurdo editorial desencadeasse uma ruidosa teia de discussões e debates, cada um mais histérico do que o outro... Afinal de contas, vivemos num país em que os telejornais já acharam pertinente, por exemplo, gastar uma semana de manchetes (e longos minutos) com o facto de um jogador de futebol ter agredido outro à cotovelada... Mas não. Quase ninguém reage, nem que seja com um minúsculo sobressalto de perplexidade.
Este não-episódio diz bem do estado de letargia a que se chegou na não-discussão de muitos aspectos da informação que se faz em Portugal -- a ponto de "ninguém" querer assumir o fim do Jornal de Moura Guedes, como refere o Público. Daí o carácter igualmente sintomático da promoção [video em baixo] do Jornal de Sexta que, segundo notícia publicada no Diário de Notícias, citando informaçao divulgada pelo Expresso, terá estado na origem da decisão tomada pela administração da TVI de demitir Manuela Moura Guedes. O método desta promoção é simples de definir: alguém tem a sua imagem (e o seu som) registado em televisão e corre o risco de ser transformado em protagonista de um discurso puramente alusivo, não afirmativo, favorecendo a suposição e as associações mais ou menos mecânicas que, em última instância, bloqueiam qualquer hipótese de pensar. Em 53 segundos, a morte lenta do jornalismo acontece assim.