Em Home - Lar Doce Lar, Ursula Meier, cineasta franco-suíça, filma uma família à beira de um ataque de nervos: vivendo à beira de uma auto-estrada, eles são uma espécie de sobreviventes da sua própria loucura -- esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (3 de Junho) [1].
Como encontrou o cenário ? Alguma vez imaginou fazer o filme num estúdio fechado?
Deliberadamente, o filme não é datado nem localizado. Procurámos na França, Bélgica, Suíça: estradas abandonadas, pistas de aeródromos militares, auto-estradas em construção... Até que demos com este cenário na Bulgária: possui a abstracção necessária a uma fábula, mas é também realista e universal. Era uma estrada larga, pouco arranjada, que se estendia por 2,3 km, tinha sido alargada para servir de pista para os aviões que regavam as culturas à volta. Pudemos alterá-la, alcatroá-la, desenhar linhas brancas, colocar barreiras de segurança e pôr carros, caravanas, motos, camiões... Na cena das férias, utilizámos um máximo de 300 carros! Quanto à casa, foi totalmente construída: funcionava como um estúdio gigante, mas ao ar livre. Normalmente, numa rodagem, os assistentes preocupam-se em cortar a circulação por causa do barulho. Connosco, era ao contrário. O meu primeiro assistente ordenava aos carros: “Motor!” E de facto era: “Motores!”
Como é que a equipa conviveu com essa situação?
Embora numa escala menor, como é óbvio, técnicos e actores viviam como as personagens. Na parte final, os alimentos tinham realmente apodrecido, o cheiro era horrível, havia ratos na casa e toda a equipa se coçava por causa da poeira. O espaço estava reduzido por causa das camadas de isolamento, o calor era imenso e o ar começava mesmo a faltar... Acredito que o facto de termos rodado em situação quase real ajudou actores e técnicos.
Porque escolheu Isabelle Huppert? O efeito da estrela era importante para si?
Estou-me sinceramente nas tintas para o “efeito-estrela” que, por vezes, pode jogar mesmo contra um filme. Acontece que considero Isabelle Huppert uma das nossas melhores actrizes. Escrevi o papel da mãe a pensar nela. A mãe é o nó daquela família. Não sabemos nada do seu passado, mas era preciso sentir que, se a família vive num lugar tão bizarro, é por causa dela. É também por causa dela que não se vão embora quando a auto-estrada abre. Uma actriz como Isabelle Huppert é alguém que permite fazer sentir tal personagem em profundidade, sem necessidade de longos diálogos.