Na sua dimensão secretamente anedótica (de facto, até agora, Sócrates parece ser o único a ter percebido o gag), o episódio é bem revelador do nível de argumentação e pensamento que sustenta a maior parte dos confrontos político-televisivos na sociedade portuguesa. Vive-se — e representa-se — tudo a partir dos sinais mais superficiais, como se, não apenas a política, mas as próprias relações humanas fossem feitas de peças de 50 segundos para amontoar num qualquer telejornal. Aliás, é sabido que (com genuína sinceridade, entenda-se) muitos profissionais de televisão pensam, concebem e executam o seu trabalho a partir de um assombramento fulcral: "é preciso ser rápido, não cansar o espectador, porque senão ele muda de canal..."
Infelizmente para todos nós, os problemas estão para além destes jogos florais sancionados, promovidos e exponenciados por todos os telejornais. De facto, peripécias como esta acabam por contaminar de forma perversa as grandes questões da gestão política.
Veja-se o que está a acontecer com o TGV. Claro que cada cidadão pode (e deve) pensar o que muito bem entender sobre tal opção e todas as suas ramificações político-económicas. O certo é que, mal ou bem, a construção do TGV tinha já entrado na esfera política como uma opção que, não só envolve mais do que um governo (algumas decisões vitais, formalmente irreversíveis, foram tomadas pelo então primeiro-ministro Durão Barroso), mas que passou a integrar a agenda global do país.
Que está, então, a acontecer? O TGV entrou numa terra de ninguém, com muito poucos a levantar a dúvida mais perturbante. A saber: que preço, financeiro e político, o país vai pagar por esta estagnação prática e argumentativa?
Nesta dinâmica (ou falta dela), são co-responsáveis oposições, Governo e Presidente da República. E o que é espantoso é que isso não corresponde a nenhuma reflexão de fundo gerada pelas entidades políticas. Nada disso. Estamos assim, neste "vamos-ver-o-que-acontece", apenas porque o primeiro-ministro mudou de imagem...