Talvez que as noções de "sobriedade" e "romantismo" não sejam necessariamente compatíveis. Mas é a sua paradoxal proximidade que apetece evocar a propósito do magnífico concerto de Angelika Kirchschlager na Fundação Gulbenkian (Grande Auditório, dia 25, 19h00). De facto, a mezzo soprano austríaca (nascida em 1966, em Salzburgo) não é exactamente alguém que encaixe num qualquer cliché de prestígio — num perfil escrito em 2002, Tim Ashley, do jornal The Guardian, definiu-a mesmo através de uma muito sugestiva expressão: "a diva acidental".
Acompanhada ao piano pelo sempre preciso e elegante Malcolm Martineau — que ainda recentemente víramos com Magdalena Kozená —, Kirchschlager propôs um recital dominado pelo lied romântico, com peças de Felix Mendelssohn-Bartholdy, Franz Liszt, Antonín Dvorák (Canções de Amor) e Johannes Brahms (Canções Ciganas). Os temas de Liszt, em particular, começando por Im Rhein, im schönen Strome, de Heinrich Heine, deixaram essa marca profunda, também ela paradoxal, de uma serenidade atravessada pela sempre imponderável violência do trágico. Em resumo, um grande concerto, a confirmar que, mesmo sem estar dominada por "pesos pesados", a temporada de canto da Gulbenkian continua o seu trajecto modelar.