Para que nem tudo se esqueça sob o efeitos da aceleração televisiva de todos os dias, para que tenhamos a certeza que estivemos lá, convém registar: Magdalena Kozená passou pela Fundação Gulbenkian — Grande Auditório, 10 de Março, 19h00 —, num recital de mais de duas horas em que a densidade da sua voz se expôs na fascinante paleta de tantas vozes que a habitam.
Acompanhada pelo pianista escocês Malcolm Martineau, a mezzo-soprano checa evoluiu do simbolismo agreste de Claude Debussy até ao delicado humor de Francis Poulenc, passando pelos ecos germânicos de Gustav Mahler e Richard Strauss. Em particular os Rückert Lieder (Mahler) expressaram bem o poder, o encanto e a emoção de um modo de cantar capaz de se embrenhar pelo muito romântico espelhamento do corpo e da alma, sem que Kozemá por isso abandone uma postura que a parece dividir em personagem e narradora do seu próprio canto. Meticuloso, senhor de uma contida ironia, Martineau foi o acompanhante justo de uma noite mágica. Em jeito de memória indirecta, aqui fica Kozená num fragmento de um recital de árias de George Friedrich Handel transmitido a 27 de Dezembro de 2007 pelo canal franco/alemão Arte.