É uma história exemplar, telefónica, futurista, mas muito deste nosso tempo de progresso muito histérico, todos os dias gritado pela publicidade... É uma história de cegueira: sound, no vision.
Começa com a banalidade do telefone se avariar. O telefone "fixo", entenda-se, um desses telefones que parece um telemóvel e a que continuamos a chamar "fixo". Ligamos para as avarias e surgem aquelas vozes de computador — assustadoramente big brother — que nos pedem para ir carregando em números (o avariado, o do telemóvel de onde ligamos), até que finalmente nos aparece uma voz humana. Humana? Não se tem a certeza, já que a pessoa fala como se fosse uma descendente bastarda do Hal 9000... Estive quase para perguntar se sabia quem era Hal 9000, mas tive receio de a ofender.
Então a voz pergunta-me o meu número de telefone, o meu número de telemóvel, obriga-me a repetir tudo o que já transmitira... Finalmente, agradeço a pergunta que chega: "Qual é a avaria do seu telefone?" Em poucos segundos, confirma-me que há, de facto, uma avaria... Ah! Dá-me um número de código da minha avaria — não exigia o luxo: uma avaria com número de código! E diz-me que a avaria vai entrar "em análise". Gosto do toque freudiano.
Vinte e quatro horas depois. A avaria persiste e nenhuma voz me diz nada. Volto a telefonar para o número das... avarias. Voltam a pedir-me números. E, para meu espanto, a mesma voz metalizada, programada por informáticos que viram demasiados filmes, debita-me o número de código da minha avaria e conclui, seguríssima, que a avaria se encontra "em análise". Depois: silêncio. Are you talking to me?
Desculpem a pergunta: está tudo morto? Não há ninguém para falar ao telefone? E, já agora, se não levarem a mal, podem tratar da avaria do meu telefone? Sem ofensa. Coitado do Hal.