segunda-feira, setembro 17, 2007

Terezín por Anne Sofie von Otter (3/3)

Foto: Denise Gürnstein / DG

Aqui se conclui a transcrição de uma conversa com Anne Sofie von Otter, depois editada e publicada no Diário de Notícias (3 de Setembro). Tema principal: o álbum Terezín/Theresienstadt, reunindo peças de autores judeus assassinados pelos nazis. No final, inclui-se um brevíssimo panorama da discogafria da cantora, proveniente do mesmo dossier.

[...] Ouvindo o disco, é inevitável pensar noutros projectos apostados em não deixar morrer as memórias do Holocausto, nomeadamente o filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg.
No caso de Spielberg, há uma diferença que resulta das suas próprias origens judaicas. Eu não sou judia e não tenho necessariamente muitos judeus entre as minhas relações regulares, pelo menos na Suécia. Para mim, a memória do meu pai foi determinante e esteve sempre presente. Em termos políticos, posso ser ingénua, mas acredito, simplesmente, na democracia e no respeito dos outros. Um disco como Theresienstadt vale pelo bem que representa. De resto, posso cantar o meu normal Strauss, Benny Andersson, seja o que for... Era preciso fazer Theresienstadt por ser uma coisa realmente útil.
Considera-se uma pessoa religiosa?
Não, não sou religiosa, pelo menos no sentido corrente da palavra. Tenho os meus próprios sentimentos e espiritualidade, mas em relação à Natureza e àquilo que nos foi dado neste lugar que é a Terra. Aliás, a questão da destruição da Natureza é um tema a que sou muito sensível. Sou apoiante do Greenpeace e se houvesse canções sobre esse tema, cantá-las-ia de imediato.
E como é que reage aos que podem estranhar o facto de cantar coisas tão diferentes, desde a chamada música “séria” até às canções dos Abba?
Bem... [riso] As audiências que realmente me conhecem sabem que eu canto de tudo: Benny Andersson, Elvis Costello, Monteverdi, Korngold, Mahler... tudo numa grande mistura. É certo que 90 ou 95 por cento daquilo que canto tem a ver com a tal música “séria”, mas posso sentir-me tocada também por música folk, por canções de embalar...
Há algum projecto de fazer uma digressão com a música de Theresienstadt, num espectáculo que possa ser registado e, por exemplo, editado em DVD?
Em 2009, esperamos poder fazer uma digressão nos EUA e na Europa, incluindo, pelo menos, Bengt Forsberg e Daniel Hope. Não sei se poderemos ter mais alguém, embora tenha ficado muito contente com a participação de Christian Gerhaher no disco. O que realmente gostava era que alguém fizesse um filme sobre os compositores de Theresienstadt.
E, neste momento, qual é o próximo projecto de gravação?
Estou em Genebra, a preparar uma série de espectáculos com Les Troyens, de Berlioz. Quando não trabalho na ópera, tenho uns 50 ou 60 discos de Johann Sebastian Bach para ouvir: estou a escolher árias para um disco.
E vai voltar em breve a Lisboa?
Espero que sim, espero que seja possível na digressão com a música de Theresienstadt.
Para além dos espectáculos e das gravações, que discos anda a ouvir?
Faço muitas misturas. Gosto muito de ouvir música barroca, Bach, Rameau... Mas gosto também muito de cantoras pop como Martha Wainwright ou Alison Krauss. E comprei um disco de Amy MacDonald de que ainda não sei se gosto ou não.

Mozart, Handel, Mahler e... Abba

Figura ímpar do canto lírico contemporâneo, a mezzo-soprano Anne Sofie von Otter nasceu em Estocolmo, em 1955. Estudou na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, onde teve como professora a lendária cantora húngara Vera Rózsa. Desde 1980, o pianista Bengt Forsberg é um dos seus colaboradores fundamentais.
O ano de 1985 foi decisivo para a definição da sua carreira: por um lado, através da composição de “Cherubino”, numa encenação de As Bodas de Fígaro, de Mozart, na Royal Opera House de Londres; por outro lado, no plano discográfico, com o início de uma relação (que se mantém) com a Deutsche Grammophone. Distinguida como “Artista do Ano”, em 1990, no âmbito dos International Record Critics Awards, tem acumulado sucessos, não apenas através de dezenas de gravações, mas também nos principais palcos internacionais. Para além das óperas, as canções de Grieg, as cantatas de Haendel ou Des Knaben Wunderhorn, de Mahler, são algumas das referências obrigatórias na sua discografia.
Speak Low, álbum de 1995 com canções de Kurt Weill (com Forsberg e o maestro John Elliott Gardner) pode simbolizar a via “alternativa” do seu trabalho, ilustrada em 2001 pelo álbum For the Stars, com Elvis Costello [foto]. Em 2006, lançou I Let the Music Speak, com canções dos Abba.