domingo, setembro 23, 2007

As "notícias secretas" de Londres

No dia 21, escrevi aqui um primeiro post sobre António Esteves Martins e a sua abordagem gratuita da saída de José Mourinho do Chelsea. Vinte e quatro horas depois, ele voltou ao assunto — e eu também, propondo uma segunda abordagem, agora das suas teorias da conspiração. Pela terceira vez, escrevo a pretexto da sua intervenção, ainda sobre o mesmo assunto, hoje no noticiário das 13h00, na RTP1.
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Há aqui um incómodo que não posso deixar de explicitar: de repente, pareço confundir as muitas misérias do jornalismo português com o trabalho individual de António Esteves Martins. Não é assim, e gostaria de o sublinhar: ele é, afinal, apenas uma peça de um entendimento da informação que favorece o gratuito, o especulativo e, no limite, a criação de uma visão "policiesca" do real. Não me custa acreditar que faz o seu trabalho com inteira dedicação e boa fé. Em todo o caso, não creio que o reconhecimento de tudo isso deva impedir a análise — e, sobretudo, a clara recusa — de formas de actuação que continuam, todos os dias, a desautorizar todo o jornalismo que se faz em Portugal.

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O tema foi, desta vez, um artigo do jornal The Observer, intitulado 'Terry vira-casacas' — aí se diz que o capitão John Terry terá sido uma peça decisiva nos bastidores da saída de Mourinho, acabando por adoptar uma atitude contrária à fidelidade em relação ao treinador português que, desde sempre, fez questão em explicitar publicamente.
Mais uma vez, é o tratamento da informação que está em causa. Ora, como é que António Esteves Martins dá conta da abordagem de The Observer? Dizendo que, afinal, isto já se sabia há vários dias. Mais do que isso: dizendo que tudo isto era uma "notícia" (sic), mas que era uma notícia "secreta" (re-sic).
COMO? Importa-se de repetir...
Quer isto dizer que António Esteves Martins tinha a notícia e preferiu não a dar? Mais do que isso: quer isto dizer que o conceito de notícia, por definição remetendo para qualquer coisa de público e explícito, passou a ser entendido como coisa eventualmente secreta ou implícita?
Em boa verdade, creio que a questão é mais simples: António Esteves Martins limita-se a funcionar como eco da "voz do povo" e tudo aquilo que ouve (como qualquer um de nós pode ouvir) em "conversa de café" é por ele encarado como espectacular verdade latente que, num futuro mais ou menos próximo, será dramaticamente confirmada. Aliás, na intervenção do dia anterior, ele apresentou mesmo aquilo que era a "reacção" dos portugueses de Londres à saída de Mourinho. Que reacção era essa: três-pessoas-três, num total de uns 60 segundos (se tanto...), a dizer coisas tão banais como qualquer um de nós poderia dizer ao virar de uma esquina qualquer. Os portugueses de Londres???...
Para terminar, António Esteves Martins informou ainda que, depois da saída de The Observer, Peter Kenyon (director executivo do Chelsea) já tinha desmentido as alegações do jornal. Mais ainda: com ironia, sublinhou que isso é "normal". Assim se favorecem dois erros jornalísticos:
— erro informativo: de facto, não faz sentido diminuir ou lançar qualquer tipo de suspeita sobre a reacção de Kenyon apenas porque é "normal" — aos visados por uma qualquer notícia, assiste o direito básico de expressar o seu ponto de vista sobre o respectivo conteúdo;
— erro ético: a descrição de António Esteves Martins faz supor que The Observer publicou a notícia sem ter ouvido Peter Kenyon, o que, além do mais, deixa uma nota negativa sobre a deontologia do jornal — ora, basta ler até ao fim o texto do jornal, para verificar que o desmentido de Kenyon integra a própria notícia.