domingo, março 02, 2025

OSCARS
— à procura da juventude perdida

A 97ª edição dos Oscars (na madrugada de domingo para segunda-feira) vai eleger os melhores da produção cinematográfica de 2024 num clima de algum suspense: na maior parte das categorias, está tudo em aberto e não se vislumbram vencedores “antecipados”. Novidade absoluta será Conan O’Brien na condição de apresentador da cerimónia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 fevereiro).

Desta vez, as expectativas em relação aos Oscars estão baralhadas. Não há vencedores “antecipados” na 97ª edição dos prémios mais lendários do mundo do cinema. As tradicionais especulações em torno das distinções já atribuídas, em particular pelas associações profissionais (“guilds”) de Hollywood, não definem tendências claras. As dúvidas serão esclarecidas na cerimónia do Dolby Theatre, ao fim da tarde de domingo em Los Angeles — entre nós, na madrugada de domingo para segunda-feira, com transmissão na RTP1 (a partir da meia-noite) e na plataforma Disney+.<br>
Podemos resumir as expectativas através das surpresas dos prémios mais recentes. Depois de produtores e realizadores terem consagrado Anora, o filme de Sean Baker que ganhou notoriedade com a Palma de Ouro de Cannes/2024, o Screen Actors Guild (sindicato dos actores) escolheu Timothée Chalamet como melhor actor em A Complete Unknown, atribuindo o prémio de melhor elenco a Conclave, o drama vivido no interior do Vaticano — muitas vezes, o vencedor deste prémio tem arrebatado o Óscar de melhor filme...
Uma coisa é certa: a cerimónia não estará assombrada pela sensação de uma “confirmação” de prémios já atribuídos por outras entidades. Há mesmo duas componentes que podem favorecer alguma revitalização mediática, ajudando a recuperar pelo menos uma parte das audiências perdidas nos últimos anos: a primeira é a estreia de Conan O’Brien como apresentador, por certo rentabilizando o seu “know how” de muitos anos de televisão; a segunda é a novidade dos Oscars como conteúdo de “streaming”.

Chalamet e os outros


No papel de Bob Dylan, recriando as convulsões artísticas e políticas da década de 1960, Timothée Chalamet, nomeado para melhor actor, emerge como marca de uma ideia de juventude que circula por vários filmes nomeados — sem esquecer que, também em A Complete Unknown, encontramos Monica Barbaro, interpretando Joan Baez, nomeada para melhor actriz secundária.
Sem ceder aos lugares-comuns “juvenis” que circulam pelo espaço mediático, sobretudo televisivo, importa reconhecer que estes Oscars são sensíveis à necessidade de renovação de rostos e símbolos. Assim, por exemplo, em A Substância a veterana Demi Moore é, segundo muitos analistas americanos, favorita como melhor actriz, mas na mesma categoria encontramos a jovem Mikey Madison, nomeada por Anora. A par, por exemplo, de uma vedeta do mundo da música como Ariana Grande, em Wicked, nomeada para melhor actriz secundária. Nesta lista faz ainda sentido colocar Brady Corbet, não só porque era encarado como um independente quase marginal, mas também porque, com O Brutalista, o seu nome está em três nomeações (argumento original, realização e, na qualidade de coprodutor, melhor filme do ano).
Aliás, pelo menos na primeira fase da temporada dos prémios, O Brutalista pareceu emergir como sério candidato ao Oscar máximo, tendo em conta que o retrato do arquitecto que sobreviveu ao Holocausto (Adrien Brody, nomeado para melhor actor) relança a possibilidade de reencontrar o fulgor das sagas históricas da década de 1960. Tal expectativa envolve também esse desejo, que continua a circular em Hollywood, de reconstruir alguns dos géneros mais populares dos seus tempos clássicos.
Nesta perspectiva, Wicked ocupa também um lugar especial, já que refaz a ideia mais ou menos nostálgica segundo a qual continua a ser possível recuperar a energia (industrial e comercial) que distinguiu o género musical nas décadas douradas de 1940/50. De todos os nomeados na categoria de melhor filme, Wicked ostenta mesmo o rótulo de recordista nas bilheteiras, logo seguido de Dune – Parte Dois; mais ainda: ambos integram o top 10 de sucessos de 2024, liderado por Divertida Mente 2, um dos candidatos ao Oscar de melhor filme de animação.

Lugar aos estrangeiros

Nos últimos anos, na sequência de múltiplas polémicas, a Academia de Hollywood — cuja designação oficial é, de facto, Academia das Artes e Ciências Cinematográficas — tem vivido um importante processo de reconversão interna. Desde logo, aumentando significativamente o número dos seus membros (mais 928, só no ano de 2018) e, nessa medida, favorecendo uma maior diversificação de género, idade e origem. Segundo números oficiais de finais de 2024, a Academia passou a ter 10.894 membros, dos quais 9.905 votam nos Oscars.
Na prática, pode dizer-se que, para lá da entrada de muitos novos membros dos EUA (sim, é verdade: incluindo Billie Eilish!), a Academia abriu as portas aos estrangeiros, gerando uma nova dinâmica de internacionalização das estruturas cinematográficas americanas. Pormenor sintomático: a partir dos Oscars atribuídos em 2020, a categoria de melhor filme estrangeiro passou a designar-se melhor filme internacional — acabou por ser o ano em que, pela primeira vez, um título não em língua inglesa, o sul-coreano Parasistas, arrebatou a estatueta dourada de melhor filme (vencendo também na categoria de melhor filme internacional).
Este ano, uma vez mais, o panorama é revelador de tal conjuntura, com grande evidência para títulos como o brasileiro Ainda Estou Aqui ou o francês Emilia Pérez. Aliás, essa internacionalização inclui um inevitável simbolismo político quando A Semente do Figo Sagrado, do iraniano Mohammad Rasoulof, autor várias vezes condenado pelas autoridades do seu país, surge nas nomeações para melhor filme internacional com a chancela de outro país ligado à sua produção, isto é, a Alemanha (onde Rasoulof se exilou). Tudo isto não pode ser desligado do facto de, depois de muitas polémicas conceptuais e orçamentais, o Museu da Academia (Academy Museum of Motion Pictures) ser, desde 2021, um símbolo imponente de uma entidade que quer manter e reforçar o seu lugar na história do cinema, quer como defensora do património fílmico, quer através de um papel activo na discussão do futuro dos filmes. No domingo à noite, em Los Angeles, é também disso que se fará o espectáculo.