Definindo-se como uma "feminista atípica" (classificação filosófica plena de uma alegria primitiva), Julia Kristeva continua a sua esplendorosa viagem de observação e pensamento sobre as singularidades do feminino e do masculino, das possibilidades e impossibilidades do masculino/feminino.
Assim é o seu livro mais recente — Prélude à une Éthique du Féminin [Fayard, 2024] —, em que a ideia de processo resiste a qualquer esquematismo decorrente de algum estatuto. Ou como se escreve numa nota de apresentação da démarche do livro, indissociável da herança freudiana, não como "teoria" dos sexos, mas prática clínica com os seres singulares: "O feminino que o pensamento clínico de Julia Kristeva ausculta e revela é um feminino transformativo, condição e fonte da nossa capacidade de mudar, específica da psico-sexualidade humana, que se envolve com as identidades sexuais, de modo diferente da teoria do 'género'."
Certamente não por acaso, em conversa com a psicanalista e filósofa francesa Clotilde Leguil, na Livraria Mollat (Bordéus, 3 dezembro 2024), Kristeva sinaliza uma discreta, mas concisa, demarcação em relação ao pensamento de Judith Butler (autora, por exemplo, de Corpos que Contam), cuja multiplicidade fundadora tende a atrair formas de um esquemático militantismo — eis o belo diálogo Kristeva/Leguil.