domingo, setembro 26, 2021

"The Walking Dead"
— o pesadelo colectivo (3/3)

Andrew Lincoln, intérprete de Rick Grimes

Começou como a adaptação de uma banda desenhada e transformou-se num fenómeno global: a série televisiva The Walking Dead resistiu mais de uma década: a 11ª temporada chegou a Portugal no dia 23 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 agosto), mantendo-se aqui a referência ao dia 23 como uma data "posterior".

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Com a evolução da série, os “mortos que caminham” deixaram mesmo de ser os únicos monstros que ameaçam a vida humana, já que os seres humanos, não poucas vezes, rivalizam com a sua brutalidade. Num dos mais extraordinários momentos de toda a série (10ª temporada, episódio 19), Aaron (Ross Marquand) tenta convencer o padre Gabriel (Seth Gilliam) que a violência dos Whispereres não reflecte o que são as outras pessoas, ao que Gabriel responde: “As pessoas más não são a excepção à regra. São a regra.”
Frank Darabont
Nada disso é estranho ao espírito da banda desenhada The Walking Dead surgida em 2003, escrita por Robert Kirkman, primeiro com desenhos de Tony Moore, depois Charlie Adlard. E o mínimo que se pode dizer é que os zombies vieram para ficar, já que o conjunto de ramificações que foi sendo gerado é francamente impressionante.
Escusado será sublinhar que o lançamento da primeira temporada da série, a 31 de outubro de 2010, veio ampliar de forma espectacular as potencialidades expressivas do universo de The Walking Dead — em linguagem de gestão financeira, criou uma “franchise”. E nem mesmo as convulsões legais motivadas pelo descontentamento do primeiro produtor da série, Frank Darabont, impediram que tal “franchise” se consolidasse.
Na altura já consagrado graças a dois filmes baseados em Stephen King — Os Condenados de Shawshank (1994) e À Espera de um Milagre (1999) —, Darabont foi responsável pelo chamado “desenvolvimento para televisão”, realizou o episódio piloto e colaborou em argumentos de vários episódios da primeira temporada. A meio da segunda temporada, afastou-se, considerando que a entidade produtora, o canal AMC, não estava a pagar-lhe a percentagem de lucros que lhe era devida. O caso foi-se arrastando nos tribunais, tendo chegado a uma conclusão apenas este ano, em meados de julho: segundo a revista Forbes, Darabont vai receber 200 milhões de dólares.
Hoje em dia, The Walking Dead é um labirinto de títulos ou, como dizem os profissionais do marketing, “produtos”. A começar pelas derivações também em forma de série: Fear the Walking Dead (a sétima temporada arranca este ano, em outubro) e The Walking Dead: The World Beyond (com segunda temporada também a partir de outubro). Entretanto, para lançamento em 2023, está em desenvolvimento uma série ainda sem título, centrada em duas das personagens principais, Carol e Daryl, interpretadas, respectivamente, por Melissa McBride e Norman Reedus. Andrew Lincoln deverá reaparecer em pose de xerife, mas agora em cinema — o projecto inicial, anunciado em 2018, previa três filmes centrados na figura de Rick Grimes.
Se acrescentarmos a tudo isto as séries para a internet, os videojogos, os brinquedos e até um parque temático (situado na região de Surrey, Inglaterra), poderemos dizer que The Walking Dead é, de uma só vez, uma ficção apocalíptica e um dos mais fortes conceitos contemporâneos de espectáculo. Como em qualquer tragédia clássica, vogamos, entre fascínio e inquietação, tentando compreender as razões da regra e os poderes da excepção. Com uma nuance que vale a pena referir: falamos dos zombies de The Walking Dead, mas por uma opção que vem da BD de Kirkman há uma palavra que nunca é usada nestas histórias. Qual? Zombie.