Difícil de descrever em formato sinopse: em Les Extraordinaires Mésaventures de la Jeune Fille de Pierre, Gabriel Abrantes encena as atribulações de uma estátua do Museu do Louvre que, à noite, gosta de deambular pelos corredores da sua habitação oficial na companhia da 'Vitória de Samotrácia'... Na verdade, a certa altura, seduzida pelos acontecimentos exteriores ao espaço do museu, as coisas complicam-se e a estátua, desencantada por ser reconhecida apenas como peça "decorativa", acaba por encontrar apoio espiritual num pequena peça do tempo dos faraós, um hipopótamo serenamente filósofo de nome Jean-Jacques...
Há outra maneira de dizer tudo isto: Gabriel Abrantes andava à procura de um registo narrativo em que as evidências do mundo contemporâneo não anulassem, antes exponenciassem, um gosto fantasista que não prescinde de algumas modernas formas de efeitos especiais; tal demanda tinha a sua expressão mais assumida, a meu ver resolvida de forma incerta, na longa-metragem Diamantino. Agora, para além da qualidade (notável) dos efeitos especiais, o essencial envolve a consolidação de um registo narrativo que se libertou da ironia forçada, esse vício "modernista" do nosso tempo, privilegiando a descarnada verdade da fábula — são 20 deliciosos momentos de cinema, a justificar, por si só, a visita a Vila do Conde.