Longe vão os tempos da criatividade de Steven Spielberg em Parque Jurássico: a nova sequela tem muito barulho para nada — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Junho), com o título 'Um circo audiovisual'.
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A decomposição de alguns modelos de espectáculo cinematográfico detecta-se em todos os pormenores. Assim, por exemplo, o título português de Jurassic World: Fallen Kingdom. De facto, Mundo Jurássico: Reino Caído acaba por ser uma tradução tão “literal” que consegue apagar a sugestão de um reino em processo de queda. Foi mesmo dispensada a expressão mais apelativa: “A queda de um reino”.
Olhamos para as mais de duas horas em que o filme se arrasta, multiplicando ruídos e esgares dos dinossauros, e ficamos enredados na pergunta: afinal, qual é a aventura que nos querem vender?
Como numa psicanálise em que alguém, perversamente, deixou aberta a porta do consultório, o filme acaba por desmontar-se através de uma cena involuntariamente ridícula. Assistimos, assim, a um leilão em que os proprietários dos dinossauros vendem cada um dos seus monstros, devidamente licitados por homens de negócios e políticos provenientes de todo o mundo (com russos e diversas figuras asiáticas para reforçar a “actualidade”). Dir-se-ia que os criadores do filme podiam integrar a plateia de compradores: a única coisa que os interessa é organizar um catálogo de monstros para exibição gratuita num circo audiovisual sem ideias dramáticas.
Numa das poucas cenas com algum sentido do espaço vemos Chris Pratt e Bryce Dallas Howard a extrair sangue de um bicho encerrado numa gaiola gigante... E um dos segredos da história é o facto de a manipulação genética ter concebido um novo monstro... Como é que recebemos essa cena e tal segredo? Pois bem, com o tédio de quem já tinha sido “informado” da sua existência pelo trailer do filme... Moral da história: espera-se que o espectador seja uma marioneta sem sensibilidade, limitando-se a ir ao cinema para “descobrir” aquilo que já sabe.