Longe vão os tempos da criatividade de Steven Spielberg em Parque Jurássico: a nova sequela tem muito barulho para nada — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Junho), com o título 'Dinossauros estão politicamente correctos'.
Já lá vai um quarto de século. Foi em 1993 que Steven Spielberg, inspirando-se num livro de Michael Crichton, dirigiu o admirável Parque Jurássico (no mesmo ano lançou A Lista de Schindler). Para além da revolução nos efeitos especiais que o filme liderou (os dinossauros pareciam mesmo carnais...), o essencial passava pelo relançamento de uma velha mitologia literária e filosófica. A saber: quando os seres humanos tentam sobrepor-se às leis da natureza, gerando vida através de manipulações tecnológicas, até que ponto não é a própria identidade humana que está ameaçada?
Entretanto, uma série de prolongamentos da saga original gerou aquilo que os tesoureiros da indústria, secundados pelos profissionais de marketing, tanto gostam: uma “franchise”. De tal modo que o novo Mundo Jurássico: Reino Caído é já o quinto título da série, com a novidade de ter a realização assinada por um espanhol, J. A. Bayona.
Novidade muito relativa, entenda-se. Isto porque depois do segundo filme, O Mundo Perdido (1997), também dirigido por Spielberg, tão bom ou melhor que o primeiro, assistiu-se ao consumar dessa maldição que tem assombrado muitas “franchises”: em vez de se procurarem histórias realmente originais, com personagens consistentes, entrega-se tudo ou quase tudo às equipas de efeitos especiais... Os resultados serão tecnicamente sofisticados, mas falta-lhes sentido de aventura e, no limite, dimensão humana.
Dir-se-ia que o espírito politicamente correcto deste quinto filme até poderia ter servido para curiosas variações dramáticas. De facto, já não se trata de lidar com as ameaças inerentes à “recriação” dos dinossauros. Agora, os dinossauros são um dado adquirido, sendo fundamental defendê-los da ameaça de um vulcão e, mais do que isso, da avareza de investidores e corporações que neles vêm apenas uma fonte de lucro para actividades mais ou menos lúdicas (ou até para novas formas de guerra).
Podemos admirar os peculiares talentos de Bayona, responsável por títulos como O Impossível (2012), sobre o tsunami de 2004 na Tailândia, ou Sete Minutos Depois da Meia-Noite (2016), um conto fantástico baseado numa obra de Patrick Ness. O certo é que, neste caso, predomina a “obrigação” de acumular cenas que rentabilizem os dinossauros digitais, numa lógica de monótona repetição que, em última instância, se desinteressa pelas singularidades das personagens. Decididamente, o que faz o grande espectáculo não é a mera acumulação de meios, mas o gosto de contar histórias.