sexta-feira, dezembro 02, 2016

5 filmes de Visconti (1/2)

OBSESSÃO (1943)
Grande acontecimento na área do DVD: a edição das suas cinco primeiras longas-metragens de Luchino Visconti — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Novembro), com o título 'O drama e o melodrama segundo Luchino Visconti'.

O mínimo que se pode dizer da herança cinematográfica de Luchino Visconti (1906-1976) é que não é possível fazer a história da modernidade no cinema europeu sem passar pela sua obra. Daí o significado e a importância do regresso de alguns dos seus títulos fundamentais ao mercado do DVD. Trata-se, em boa verdade, do capítulo fundador da sua obra, mais exactamente das suas primeiras cinco longas-metragens: Obsessão (1943), A Terra Treme (1948), Belíssima (1951), Sentimento (1954) e Noites Brancas (1957).
Ver ou rever tão invulgar e sedutor quinteto de filmes envolve uma importante reafirmação da paradoxal importância histórica do seu trabalho. A saber: Visconti foi, obviamente, um nome indissociável das glórias do neo-realismo italiano, a par de Roberto Rossellini (1906-1977) ou Vittorio De Sica (1901-1974); afinal de contas, ao assinar A Terra Treme, saga de uma família de pescadores numa pequena povoação da Sicília, a sua visão não pode ser separada dos valores temáticos e estéticos que conduziram os neo-realistas a construir um corpo de ficções, sempre tocadas por componentes documentais, sobre o sofrimento do povo italiano. Ao mesmo tempo, porém, tal experiência narrativa constitui, não a regra, mas a excepção na trajectória criativa de Visconti.
O ziguezague inicial da sua filmografia é revelador. Assim, é óbvio que A Terra Treme mantém uma relação de cumplicidade com títulos emblemáticos do neo-realismo como Roma, Cidade Aberta (Rossellini, 1945) ou Ladrões de Bicicletas (De Sica, 1948). O certo é que Visconti começara antes, com Obsessão, nada mais nada menos que uma adaptação do romance O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, de James M. Cain, que viria a ser filmado nos EUA, em 1946, por Tay Garnett, com Lana Turner e John Garfield nos papéis principais (a primeira adaptação do romance ocorrera em França, em 1939, numa realização de Pierre Chenal, com o título Le Dernier Tournant).
Esta “antecipação” romanesca de Visconti sempre gerou uma paradoxal contextualização histórica. Assim, é verdade que Obsessão surge muitas vezes citado como um título fundador do neo-realismo, em especial pela sua austeridade visual e dramática, sublinhada pela delicadeza emocional do par central — Clara Calamai e Massimo Girotti —, muito distante de qualquer conceito clássico de glamour. Mas não é menos verdade que o olhar de Visconti está longe de se satisfazer com a frieza dessa dimensão, procurando antes uma vibração melodramática que, afinal, irá pontuar alguns dos momentos fulcrais da sua evolução.