JERZY SKOLIMOWSKI Foto: Warsaw Point |
E eis que reencontramos o génio de Jerzy Skolimowski, nome emblemático da "nova vaga" polaca que continua a fazer filmes tão fascinantes quanto inclassificáveis — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Agosto), com o título 'Skolimowski desvenda máscaras e segredos do quotidiano'.
Afinal de contas, até que ponto podemos definir as rotinas do nosso quotidiano como uma colagem de factos mais ou menos irrelevantes? Ou ainda: a banalidade dos gestos e comportamentos pode ou não ser reveladora das razões mais fundas do que somos ou imaginamos ser? Ao fazer 11 Minutos, o cineasta polaco Jerzy Skolimowski apostou em desmontar as máscaras do dia a dia, expondo tudo aquilo que está para além das aparências, os seus segredos e fantasmas.
Estreado no Festival de Veneza de 2015, 11 Minutos pode definir-se como um paradoxal exercício de compressão e dilatação do tempo. Por um lado, somos confrontados com uma galeria de personagens que vivem histórias separadas: um cineasta que entrevista uma actriz num hotel, num jogo que parece oscilar entre a frieza do estudo e uma sedução à beira da agressão; um estafeta de moto que ingeriu substâncias que provocam efeitos pouco pacíficos; um vendedor ambulante de cachorros quentes que talvez tenha coisas inquietantes para esconder... Por outro lado, à medida que tais acções se vão cruzando, detectamos alguns laços entre elas e, mais do que isso, pressentimos que aquilo que está a acontecer numa delas pode conter chaves para compreender os enigmas de outra...
Há outra maneira de dizer isto: nenhuma sinopse pode dar conta da vertigem com que descobrimos 11 Minutos. O filme dura um pouco menos da tradicional hora e meia, mas tudo o que nele se apresenta ocorre num intervalo temporal de 11 minutos, através de um jogo de correspondências e ambivalências que começamos a saborear quando sentimos que um momento vivido por uma determinada personagem é, afinal, contemporâneo de outro momento de uma outra acção, com outra personagem — como se um instante fosse um momento insólito, mágico e inquietante em que uma frágil fracção de segundo pode conter uma promessa de eternidade.
Exercício abstracto de um cineasta “apenas” formalista? Nada disso. O cinema de Skolimowski preserva essa capacidade invulgar de envolver um arrojado desafio a qualquer academismo narrativo, sem deixar de ser uma implacável máquina de desmontagem dos sinais da vida comum, em particular da violência latente de muitas relações. E não deixa de ser irónico que 11 Minutos, sendo uma produção de raiz polaca, envolva uma aliança com o organismo estatal da Irlanda para apoio ao cinema (Irish Film Board), tendo mesmo uma parte da rodagem decorrido em Dublin.
Talvez se possa dizer que Skolimowski (nascido em Lodz, em 1938) tem desenvolvido a sua obra através de um processo de migrações intermitentes, em parte semelhante ao de Roman Polanski, outro nome grande da “nova vaga” da Polónia revelada ao longo dos anos 50/60 — participou, aliás, no argumento de A Faca na Água (1962), primeira longa-metragem de Polanski. Repare-se em dois dos seus dois títulos anteriores: Quatro Noites com Ana (2008) era um drama visceralmente polaco com produção do português Paulo Branco, enquanto Essential Killing – Matar para Viver (2010) propunha uma perturbante parábola sobre a guerra no Afeganistão, tendo sido rodado na Polónia, Israel e Noruega.
Há outra maneira de dizer isto: nenhuma sinopse pode dar conta da vertigem com que descobrimos 11 Minutos. O filme dura um pouco menos da tradicional hora e meia, mas tudo o que nele se apresenta ocorre num intervalo temporal de 11 minutos, através de um jogo de correspondências e ambivalências que começamos a saborear quando sentimos que um momento vivido por uma determinada personagem é, afinal, contemporâneo de outro momento de uma outra acção, com outra personagem — como se um instante fosse um momento insólito, mágico e inquietante em que uma frágil fracção de segundo pode conter uma promessa de eternidade.
Exercício abstracto de um cineasta “apenas” formalista? Nada disso. O cinema de Skolimowski preserva essa capacidade invulgar de envolver um arrojado desafio a qualquer academismo narrativo, sem deixar de ser uma implacável máquina de desmontagem dos sinais da vida comum, em particular da violência latente de muitas relações. E não deixa de ser irónico que 11 Minutos, sendo uma produção de raiz polaca, envolva uma aliança com o organismo estatal da Irlanda para apoio ao cinema (Irish Film Board), tendo mesmo uma parte da rodagem decorrido em Dublin.
Talvez se possa dizer que Skolimowski (nascido em Lodz, em 1938) tem desenvolvido a sua obra através de um processo de migrações intermitentes, em parte semelhante ao de Roman Polanski, outro nome grande da “nova vaga” da Polónia revelada ao longo dos anos 50/60 — participou, aliás, no argumento de A Faca na Água (1962), primeira longa-metragem de Polanski. Repare-se em dois dos seus dois títulos anteriores: Quatro Noites com Ana (2008) era um drama visceralmente polaco com produção do português Paulo Branco, enquanto Essential Killing – Matar para Viver (2010) propunha uma perturbante parábola sobre a guerra no Afeganistão, tendo sido rodado na Polónia, Israel e Noruega.
Desde os seus títulos iniciais, como Walkower (1965) ou A Barreira (1966), até este 11 Minutos, passando pelo emblemático Moonlighting (1982), sobre um grupo de operários polacos a trabalhar em Londres (com Jeremy Irons no papel central), Skolimowski tem encenado histórias mais ou menos assombradas que, de uma maneira ou de outra, tendem para um mesmo ponto de fuga: as personagens são levadas a experimentar a diferença abissal entre os seus desejos e a crueldade, anónima ou organizada, do mundo à sua volta.
A linguagem de Skolimowski consegue ligar acções díspares num labirinto em que a transparência parece atrair o mais radical absurdo. Ao mesmo tempo, isso não exclui uma vontade de realismo que se exprime, muito em particular, nas suas invulgares qualidades como director de actores. Em 11 Minutos, os polacos Wojciech Mecwaldowski e Paulina Chapko, e o irlandês Richard Dormer são exemplos notáveis dessa atenção às mais discretas nuances dos gestos dos seres humanos.