sexta-feira, setembro 09, 2016

O Facebook contra uma imagem

* Evitemos o moralismo simplista que reduz o mundo a um estúpido combate entre os "prós" sem alternativa e os "contras" sem pensamento.

* Não se trata de dizer que o mundo seria "melhor" sem Facebook. Trata-se, isso sim, de pensar o que significa, ou pode significar, um mundo com Facebook — sem esquecer que cada caso é um caso.

* Em causa está a foto 'O Terror da Guerra', de Nick Ut (Huynh Cong Ut, da Associated Press), obtida no Vietname e premiada com um Pulitzer, em 1973, pelo modo como representa um grupo de "crianças a fugir de um bombardeamento de napalm".

* A montagem acima [com o logotipo do Facebook tapando o sexo de Phan Thi Kim Phuc, então com 9 anos] surgiu no maior jornal norueguês, Aftenposten (fundado em 1860), na sequência de uma recomendação do Facebook no sentido de "retirar ou pixelizar" a imagem (que se encontrava reproduzida na página do Facebook do jornal) — em causa estaria a aplicação de uma norma do Facebook que define "limitações à amostragem de nudez".

* A situação levou Espen Egil Hansen, chefe de redacção do Aftenposten, à publicação de uma carta aberta a Mark Zuckerberg que ficará, por certo, como um documento fundamental na história da circulação das imagens neste começo do século XXI.


* Por uma vez, alguém tem a coragem de chamar as coisas pelos nomes, evitando divinizar as chamadas "redes sociais" — no fundo, colocando a questão essencial: que social é que estamos a construir (e habitar) através das matrizes dominantes da comunicação em rede?

* Hansen dirige-se a Zuckerberg de forma directa e contundente: "Estou preocupado, desapontado — de facto, estou mesmo com medo — com aquilo que você está a fazer a um pilar da nossa sociedade democrática."

* Considerando que a ideologia de Zuckerberg não consegue fazer a distinção básica entre "pornografia infantil" e uma consagrada "fotografia de guerra" (cuja importância histórica, política e simbólica se consolidou ao longo de mais de quatro décadas), Hansen argumenta que, sendo uma das missões do jornalismo tornar o mundo "mais aberto e interligado", decisões editoriais como a que o Facebook impôs "limitar-se-ão a promover a estupidez, contrariando a aproximação dos seres humanos."

* A tomada de posição do Aftenposten está a suscitar imensas reacções das mais diversas entidades, incluindo de Erna Solberg, chefe do governo norueguês, que considerou uma atitude errada a "censura" de imagens como esta [em baixo, Solberg numa montagem do Aftenposten]. Entretanto, o post da primeira-ministra foi retirado pelo Facebook, tal como já tinha sido o de Hansen.

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PS - Posteriormente, o Facebook recuou na sua decisão, considerando que, "neste caso, reconhecemos que a importância histórica e global desta imagem enquanto documento de um determinado momento" [ponto da situação no Los Angeles Times].