MARC CHAGALL O Passeio 1917 |
Basta que um "grande" do futebol não ganhe para que o espaço televisivo entre em delírio... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Agosto), com o título 'Futebol e fogo'.
Questão comunicacional: porque é que assim que um dos clubes “grandes” (Benfica, Sporting ou F.C. Porto) não ganha um jogo, a arbitragem reentra na grelha obsessiva das televisões? Competentes? Incompetentes? Honestos? Corruptos? Por uma espécie de maldição sazonal, os árbitros de futebol reaparecem na linha da frente, sob uma luz perversa: a discussão não seria motivada pelos seus dotes (ou falta deles), antes nasceria do facto de algum clube “pequeno” ter contrariado as previsões dominantes...
O assunto dá que pensar. Não pela sua especificidade desportiva. Antes porque, muito para além da candura dos treinadores que nunca se irritam com os árbitros quando ganham os jogos, o dispositivo televisivo parece necessitar (?) de algum conflito, potencial ou explícito, para manter aquilo que seria a sua “actualidade”.
O futebol é apenas uma das áreas em que tal acontece, por certo das mais benignas. Entre as mais dramáticas, podemos citar os fogos de Verão. Há vozes indignadas (e não estou, de modo algum, a duvidar das suas muito legítimas razões), verberando a falta de meios dos bombeiros e, sobretudo, a ausência crónica de políticas de prevenção. O certo é que, no sistema simbólico gerado pelas linguagens audiovisuais, a evidência do mal atrai um masoquismo sem rosto cujo único efeito mensurável é o de excluir qualquer hipótese nacional de auto-estima — talvez mesmo de auto-respeito.
Seria simplista e demagógico tentar compreender este estado de coisas desenhando uma fronteira entre “culpados” e “inocentes” — e não estou a excluir de tal cálculo o que se escreve (e como se escreve) sobre televisão. O certo é que, nem que seja por indiferença, somos levados a consumir diariamente doses gigantescas de niilismo. Um primeiro passo para transformar a questão? Talvez deixarem os árbitros de futebol em paz.