Com Creed - O Legado de Rocky, Ryan Coogler consegue a proeza de relançar e revitalizar a saga da personagem criada por Sylvester Stallone — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Dezembro), com o título 'Hollywood à moda antiga'.
Confesso que nutro uma antipatia profunda por todo um processo de ridicularização que, há cerca de quatro décadas, acompanha a personalidade de Sylvester Stallone. Não que a sua filmografia me pareça um território imaculado. Longe disso: a recente série de Os Mercenários (de que se anuncia um episódio IV para 2017) parece-me mesmo uma avalancha do mais degradado cinema de “acção” (com aspas, claro). Em todo o caso, na sua frequente função de actor/argumentista (por vezes acumulando as tarefas de realização), Stallone tem-se mantido fiel a um velho padrão de heroísmo que vive da singularidade física e emocional dos seus intérpretes, longe, muito longe, da vulgaridade de personagens sem espessura dramática, geradas pelos funcionários dos departamentos de efeitos especiais.
O caso de O Legado de Rocky é tanto mais interessante quanto resulta da convergência de diferentes sensibilidades geracionais, unidas pelo projecto de revitalização do universo do pugilista Rocky Balboa (à beira de comemorar 40 anos de existência, já que o primeiro título da sua saga surgiu em 1976). Aqui temos, de facto, Stallone a assumir serenamente as marcas da sua idade (completará 70 anos a 6 de Julho de 2016), confrontando-se com o talento de Michael B. Jordan, sob a batuta de Ryan Coogler, por certo uma das figuras mais interessantes que, em anos recentes, surgiram do espaço da produção independente.
Nesta perspectiva, O Legado de Rocky não se esgota numa mera lógica de sequela, celebrando antes a possibilidade de retorno a padrões de heroísmo e acção (desta vez sem aspas) que recusam as facilidades correntes de muitas personagens digitais. Ironicamente, ou talvez não, este é um cinema de resistência à padronização tecnocrática da nobre tradição de Hollywood.