quinta-feira, junho 11, 2015

Visita ao Museu Bonnard (2/2)

A Amendoeira
1930
Um pouco ao norte da zona nuclear do Festival de Cannes, é possível visitar o museu dedicado a Pierre Bonnard — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Junho), com o título 'Pierre Bonnard ou a arte de viver a pintura'.

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Um sobrinho de Jean Terrasse, o historiador de arte Antoine Terrasse (1928-2013), é responsável por uma magnífica recolha de notas escritas por Bonnard, intitulada Observations sur la Peinture, publicada em Janeiro deste ano (ed. L’Atelier Contemporain). Aí encontramos uma antologia de pequenas frases, desde breves memórias de trabalho até observações de carácter filosófico, muitas delas registadas nos cadernos de apontamentos que o museu dá a ver. Bonnard usava tais cadernos para esboços (poses de Marthe, paisagens, muitos cães e gatos) e também para uma espécie de boletim meteorológico privado (“bom tempo”, “chuvoso”, “nublado”, etc.).
Numa das notas finais, escrita em 1946, Bonnard faz uma síntese admirável: “Não se trata de pintar a vida, trata-se de dar vida à pintura”. Neste aparente trocadilho exprime-se, afinal, uma fundamental lógica de acção e pensamento. Assim, é verdade que, desde o começo da sua actividade (inclusive em cartazes e litografias), Bonnard sempre foi um meticuloso observador da natureza, seduzido pelas nuances da cor e pelos enigmas da luz. Ao mesmo tempo, nunca se assumiu como “ilustrador” dos elementos naturais: o seu método consistia em observar, memorizar, para depois fabricar o quadro na solidão do atelier.
Numa excelente biografia lançada há poucas semanas, Bonnard, Jardins Secrets (ed. La Table Ronde), Olivier Renault cita uma frase de Bonnard ao seu amigo George Besson, reivindicando, justamente, o tempo de maturação de cada quadro: “É preciso que as coisas amadureçam como uma maçã, não há maneira de superar o tempo”.
Um dos quadros mais famosos da colecção do museu, A Amendoeira (1930), corresponde a esse sentimento de um tempo denso e envolvente que nada tem a ver com o instantâneo fotográfico (embora Bonnard, com o seu amigo Édouard Vuillard, tenha sido um apaixonado das primeiras máquinas fotográficas). Nesta sua visão dos jardins em torno de “Le Bosquet”, deparamos com uma visão dos elementos naturais que supera qualquer impressão imediata, porventura impressionista.
Vale a pena lembrar que, apesar de contemporâneo dos impressionistas (Manet, Monet, Pissarro, etc.), Bonnard nunca se confundiu com eles, do mesmo modo que não se integrou nas convulsões que se seguiram, nomeadamente o cubismo. No seu livro, Renault sugere que essa “exterioridade” terá contribuído para o demorado reconhecimento da sua grandeza. Picasso, por exemplo, chegou mesmo a declarar que ele não era um “pintor moderno” porque “obedece à natureza, não a transcende”. Consta, em todo o caso, que Picasso foi visto, um dia, sozinho numa galeria de Paris, a observar demoradamente alguns quadros de Bonnard — podemos supor que o seu génio lhe terá permitido perceber que a transcendência se pode atingir, também, através de alguns gestos de obediência.