No derradeiro filme que concluiu, Albert Maysles filmou Iris Apfel, uma figura lendária do mundo da moda — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Abril), com o título 'Um documentário para celebrar a moda e o estilo de Iris Apfel'.
Iris Apfel é uma daquelas figuras cuja trajectória profissional envolve uma sedução que já pertence ao domínio da mitologia. Aos 93 anos (nasceu em Nova Iorque, a 29 de Agosto de 1921), com a naturalidade da sua pose e uma alegria contagiante, persiste como um ícone da moda e do design. Recentemente, a colecção de Primavera de Kate Spade foi mesmo lançada através de um portfolio protagonizado por uma invulgar dupla de modelos femininos: Karlie Kloss, 22 anos, figura emblemática do catálogo de Victoria’s Secret, e... Iris Apfel!
Entretanto, o retrato cinematográfico de tão rara personagem foi feito por Albert Maysles. Chama-se Iris e acabou por ser o derradeiro trabalho concluído pelo realizador cujo nome, associado ao irmão David Maysles (1931-1987), está ligado a um capítulo fundamental do documentarismo americano — assinaram títulos clássicos como Salesman (1968) ou Gimme Shelter (1970), este centrado no lendário concerto dos Rolling Stones em Altamonte, Califórnia, em Dezembro de 1969.
ALBERT MAYSLES (1926 - 2015) |
O trailer de Iris [aqui em baixo] é uma pequena antologia de deliciosos momentos. Desde logo, quando vemos a protagonista num programa de televisão; depois de escutar o elogio da apresentadora, celebrando a sua carreira de 75 anos, remata: “Sabe bem ouvir tudo isso — faz com que uma miúda sinta que ainda pode ter uma oportunidade”. Lembrando que foi pioneira no uso de jeans (coisa “maluca”, na altura), cita também uma frase de Frieda Loehmann (fundadora dos célebres Armazéns Loehmann) que adoptou como uma espécie de lema existencial: “Não és bonita, nem nunca serás bonita, mas não tem importância. Tens uma coisa muito melhor — tens estilo.”
No último segmento do trailer, o fotógrafo Bruce Weber surge na companhia de Iris e diz-lhe, apontando para o próprio Maysles (que vemos à câmara): “Sabe porque é que acho que fez este filme? Porque ele é muito bonito e creio que a Iris se apaixonou por ele.” Resposta de Iris: “Toda a gente se apaixona por ele — é como um íman.”
Talvez não houvesse maneira mais sugestiva de definir a atitude documental de Maysles. Na sua militante preocupação de envolvimento com as singularidades das pessoas e dos lugares — “coloco o meu destino e a minha fé na realidade”, dizia ele —, Maysles ajudou a definir uma atitude criativa que supera, ponto por ponto, a banalidade corrente do pitoresco televisivo. Através de genuínos elementos de reportagem, o seu olhar gosta de descobrir os protagonistas em momentos que resistem sempre à redução a qualquer cliché, seja ele figurativo ou moral.
Maysles faleceu no passado dia 5 de Março, contava 88 anos, deixando ainda alguns projectos em fase de acabamento. Iris foi o derradeiro filme cuja primeira apresentação pública — em Outubro de 2014, no Festival de Cinema de Nova Iorque —, ainda acompanhou. O filme chega às salas dos EUA a 29 de Abril, não havendo, para já, notícia da sua eventual distribuição no nosso país.