domingo, janeiro 11, 2015

2014 — televisão & política

Em 2014, como foram as relações entre os agentes políticos e a televisão? — esta crónica de balanço foi publicada na revista "Notícias TV" (2 Janeiro), com o título 'Um défice político'.

A noção segundo a qual a cultura popular televisiva é “apenas” o resultado das escolhas dos espectadores poderá atenuar os remorsos de muitas almas atribuladas, mas continua a não bastar para pensarmos seriamente as tendências dominantes do consumo audiovisual.
Aliás, renovo os tradicionais votos de Bom Ano Novo para todos os que proclamam que a telenovela é tão só o modelo de ficção audiovisual “escolhido” maioritariamente pelos espectadores, permitindo-me voltar a sugerir um bem intencionado exercício profilático, porventura susceptível de reconverter o pensamento dominante sobre aquele que é, para todos os efeitos, há mais de três décadas, o mais poderoso modelo dessa ficção: assim, durante algumas semanas, valerá a pena dar o horário nobre a filmes, por exemplo (como vêem, a minha imaginação é escassa), programando as telenovelas a partir da uma ou duas horas da madrugada... Depois, voltamos a discutir o assunto.
René Descartes
(1596-1650)
As perguntas persistem. Por exemplo, até onde chegará a miséria humana das derivações do Big Brother? Ou qual a extensão da lista de notáveis cozinheiros que nos apresentam as suas proezas gastronómicas como a maravilhosa síntese de Descartes, Kant e Hegel? Enfim, até onde se poderão clonar os concursos musicais protagonizados por dedicados intérpretes que cantam tão mal como eu? Enfim, peço desculpa: quase tão mal...
O assunto pode suscitar alguma ironia, quanto mais não seja como gesto de defesa face à galopante normalização dos conteúdos televisivos. Mas na sua dimensão mais vital está um crónico défice político — de pensamento e acção — face ao desenvolvimento populista de muitas áreas da paisagem televisiva. Político? Sim, das organizações políticas.
É triste que 2014 tenha sido mais um ano em que os partidos de todos os quadrantes mantiveram a mesma silenciosa indiferença face à degradação de alguns padrões televisivos. Para além do preenchimento dos lugares de decisão, há mais mundos — mundos que têm a ver, por exemplo, com a pluralidade de escolhas que se proporciona (ou não) aos espectadores.