domingo, maio 25, 2014

Bowie como mote para uma sinfonia


Foi em 1992 que Philip Glass recebeu o primeiro pedido para que compusesse uma sinfonia. Por essa altura era já um compositor globalmente reconhecido, com uma série de óperas inclusivamente gravadas em disco, peças como Music in 12 Parts, Einstein on the Beach ou Music in Similar Motion entendidas como bases de uma nova linguagem (da qual entretanto se afastara, evoluindo), bandas sonoras de filmes como Koyaanisquatsi ou Mishima transformadas em casos de culto e álbuns como Glassworks ou Songs From Liquid Days mostrando como um compositor de finais do século XX se adaptava também aos formatos “clássicos” da música gravada. Dizia-lhe então o maestro Dennis Russel Davies (que se transformaria num dos seus maiores colaboradores) que não ia deixar que Glass fosse um “daqueles compositores de ópera que nunca fizeram uma sinfonia”. A encomenda surgiu da parte da Brooklyn Philharmonic Orchestra, e levou Glass a procurar um caminho novo para a sua música orquestral. Encontrou o mote num álbum histórico de David Bowie: Low, um disco (de 1977) criado numa parceria com Brian Eno, encontrando ali Glass métodos de pensamento semelhantes aos que reconhecia em vanguardas da composição daquele tempo. Originalmente apresentada como Low Symphony, é uma obra em três andamentos, cada qual baseado num tema do álbum (um deles, na verdade, editado como extra numa reedição de 1991). O material musical de Bowie e Eno é claro ponto de partida, mas é da visão de Glass que emerge uma abordagem orquestral que acabaria por abrir horizontes a uma série de novas experiências que depois realizou em experiências sinfónicas subsequentes. 

Originalmente gravada na altura pela orquestra que assegurou a encomenda (em edição pela Phillips), a sinfonia – que agora se apresenta como Symphony No. 1 – conhece agora a sua primeira gravação ao vivo (o disco que até aqui existia nascera de registo em estúdio, obrigando cada naipe e secção da orquestra a gravar em separado, sob um ‘clic’ de guia a garantir a precisão dos tempos). Novamente sob a batuta de Dennis Russel Davies, mas agora com a Sinfonieorchester Basel, a primeira sinfonia de Glass respira novamente numa abordagem clara e luminosa, servindo uma vez mais de importante farol para um processo de diálogo entre as esferas da música pop e as da música erudita, que há muito tem em Philip Glass um dos seus mais ecléticos representantes.