domingo, abril 27, 2014

Lamentos entre ecos de um naufrágio


Um dos clássicos maiores da música experimental do século XX, The Sinking of The Titanic nasceu como primeira ideia a partir de um relato do operador de comunicações do navio, que descreveu como, estando já ele num bote salva-vidas, o ensemble de músicos que trabalhava a bordo do Titanic continuava a tocar, entre o pânico instalado entre tripulantes e passageiros que procuravam escapar com vida. Gavin Bryars (n. 1943) imaginou o que seria o som dessa música, se continuasse a reverberar nas águas mesmo depois de o mar tudo ter reclamado. No seu relato, Harold Bride (um dos sobreviventes do naufrágio), especificava que escutara os músicos a interpretar Autumn, não se sabendo ainda hoje ao certo a que composição se referiria em concreto (havendo suposições em função do gosto e das peças da época). Em The Sinking of The Titanic Gavin Bryars junta um trabalho de construção de texturas e acontecimentos sonoros que suportam a evolução de uma trama narrativa, sobre a qual vozes que descrevem memórias juntam uma dimensão vivencial aos acontecimentos e, a dada altura, se escuta uma ideia do que Autumn poderia ter sido. Sequência de profunda melancolida desenhada por cordas que adivinham um fim próximo, esse acaba por ser o núcleo emocional mais vibrante de uma obra que ordena narrativamente os acontecimentos, do caminhar tranquilo nas águas antes do acidente (essencialmente sugerido pelo trabalho de texturas) ao lamento que chega depois da tragédia, as águas ecoando assim a música que ali se escutava e, agora, mergulha no oceano, alargando a paleta de instrumentos que assim sugerem o tal reverberar das memórias dos sons nas águas que esteve na origem da ideia desta obra.

Composto entre 1969 e 1972, The Sinking of The Titanic teve nas suas primeiras interpretações ao vivo as participações de músicos como Michael Nyman, Kate St John ou Brian Eno e conheceu primeira gravação em disco em 1975 na Obscure Records, deste último (registo que este ano terá reedição em CD). Houve gravações posteriores, uma delas nos anos 90 na Point Music (coordenada opr Philip Glass), numa outra ocasião surgindo uma visão remisturada por Aphex Twin. Em 2012 Gavin Bryars levou esta obra em digressão com um conjunto de músicos que incluía a presença de um DJ (a quem era dado espaço livre para a improvisação nos momentos de criação de texturas e cenografias), dois quartetos de cordas nada canónicos (num dos quais o próprio Bryars tomava o seu lugar no contrabaixo), um clarinetista, um trompista (que dividia tarefas com o trabalho de percussão). Obra em aberto e com algum espaço para liberdade, a cada novo registo foi conhecendo novos pontos de vista e assimilação das ideias dos que a interpretaram. Lamento por figuras de uma tragédia que não desistiram do seu amor à música até ao último momento, The Sinking of The Titanic tem nesta gravação aquilo que o próprio Bryars descreveu já como a versão definitiva da obra. Se assim é convenhamos que esta gravação ao vivo a deixa muito bem servida.