Foi numa viagem entre Lisboa e o Algarve que nasceu Yesterday, um dos clássicos maiores da história dos Beatles. E também no Algarve Paul McCartney compôs com uma banda de um bar de hotel Penina, um tema que pouco depois surgiria em disco. Ao chegar aos ecrãs portugueses, o filme A Hard Day’s Night, o primeiro com os Beatles, teve por título Os Quatro Cabeleiras do Após-Calypso. Na noite posterior ao famoso bed-in em Amsterdão, foi uma portuguesa quem fez a cama de John Lennon e Yoko Ono. E hoje, no Central Park, frente ao Dakota onde vivia, um espaço de homenagem a Lennon mostra um arranjo em torno da palavra “imagine”, em calçada portuguesa... Há, por isso, toda uma história dos Beatles em português que vale a pena contar.
Mesmo longe de viver a expressão de uma cultura jovem que nascera do impacte da idade do rock’n’roll à escala global, o Portugal de 60 ouvi, logo no tempo certo, os Beatles, os Rolling Stones e os Doors (entre muitos mais, naturalmente, os Shadows, Cliff Richard ou os Moody Blues sendo outros dos nomes de quem então se falava). De todos, e apesar da evidente influência dos Shadows em algumas primeiras bandas pop/rock portuguesas, os Beatles foram aqueles que conheceram maior projeção, maior volume de lançamentos locais e mais ampla divulgação mediática. “Na década de 60, para a juventude, havia duas únicas estações de rádio, a Rádio Renascença (RR) e o Rádio Clube Português (RCP); ninguém ouvia a Emissora Nacional”, recorda Luís Pinheiro de Almeida, um dos autores do livro Beatles em Portugal. “Tanto a RR como o RCP passavam amiúde os Beatles, faziam até gala da estreia das suas canções e competiam entre si”, acrescenta, lembrando sobretudo dois programas, “o 23ª Hora, na Rádio Renascença, e o Em Órbita, no Rádio Clube Português”. Neste último, “a fantástica voz de Cândido Mota dava brilho aos não menos fantásticos textos de João Manuel Alexandre”. O jornalista afirma mesmo que “até Henrique Mendes, que odiava os Beatles, era ‘obrigado’ a passá-los no Clube das Donas de Casa. Já a televisão, numa altura em que só havia um canal da RTP “era outra história: raramente se viam imagens dos Beatles, porque isso era “corromper a juventude”, sublinha. Teresa Lage, radialista e coautora do livro, só conheceu melhor os Beatles na década de 70. Mas recorda-se de de ver na RTP “os anúncios dos gelados Rajá com a música do Obladi Oblada e da Torralta com o Hey Jude”.
Os ecos da relação entre os portugueses e os Beatles, que começaram assim a ganhar forma logo nos anos 60, conhecem um retrato minucioso e atento em Beatles em Portugal, livro de Luís Pinheiro de Almeida e Teresa Lage cuja primeira edição chegou aos escaparates em 2002. Anos volvidos uma versão revista e atualizada aprofunda em detalhes esta mesma história. A primeira edição foi feita “a medo”, como explica Luis Pinheiro de Almeida, mas o seu sucesso deu aos autores “mais alento para novas pesquisas”. Faltava-lhes encontrar apenas um “a propósito” para a nova edição. E o 50º aniversário da edição do primeiro single dos Beatles, Love Me Do, pareceu-lhes ser o momento apropriado.
Teresa Lage, a co-autora do livro aponta a primeira atuação de Paul McCartney em Portugal em 2004 como uma primeira manifestação de motivos que justificassem uma revisão do livro. Além disso, pouco depois da primeira edição, em 2002 descobriram “uma fotografia de George Harrison no Autódromo do Estoril”, uma outra “da empregada de quarto portuguesa que fez a cama a John Lennon no “Bed In” em Amsterdão”, visitaram e fotografaram “no Algarve a Quinta do Escorpião, onde George Harrison passou férias no inicio dos anos 70 e a Quinta das Redes onde Hunter Davies (biógrafo dos Beatles) viveu e Paul McCartney passou férias e a casa de Bruce Welch onde McCartney tocou pela primeira vez Yesterday com a letra que tinha composto na viagem de Lisboa para o Algarve”. Pelo caminho descobriram também “o primeiro jornalista que conviveu com os Beatles e o fotógrafo que descobriu Paul MCartney em 1969 na Praia da Luz”.
Beatles em Portugal deu visibilidade, na sua primeira edição em 2002, a histórias de alguns lugares do nosso país com a memória dos fab four. Entre eles o Hotel Penina, em Albufeira, onde numa noite Paul McCartney se juntou à banda que tocava no bar e com eles criou um tema que os músicos, sob o nome Jota Herre, gravariam pouco depois em disco com o título Penina e da qual Carlos Mendes registou depois uma versão. Luís Pinheiro de Almeida conta que “o Hotel Penina só colocou uma placa no átrio depois da primeira edição de Beatles em Portugal. Nem sabia”. Por seu lado, diz, o “Hotel Ritz não tem registos da passagem dos Beatles”. Em Albufeira, acrescenta, “toda a gente sabe onde é a casa de Bruce Welch e de Cliff Richard, que até tem o seu nome numa rua, mas ninguém liga a casa à génese de Yesterday. Excepção para César Faustino que foi o primeiro jornalista a contactar os Beatles, em 1964, em Estocolmo. Felizmente tem tudo, guardou tudo”. Mas o que Teresa Lage aponta como a falta de uma “consciência, por parte dos atuais donos ou responsáveis, dos lugares importantes da vida dos Beatles em Portugal”, foi uma das razões que os levou a incluir nesta reedição o capitulo novo O Portugal dos Beatles onde reuniram “as imagens dos locais por onde os Beatles passaram no nosso país”.
O impacte dos Beatles em Portugal teve necessariamente expressão na música que por cá se fazia. “Logo na década de 60 essa influência foi visível e há um caso paradigmático relacionado com o Conjunto Mistério e o Quarteto 1111”, sublinha o autor. “Antes dos Beatles, já os Shadows tinha tido grande influência nos conjuntos portugueses (Titãs, Blusões Negros, Telstars, Conjunto Mistério, etc), mas logo que os Beatles apareceram, o panorama mudou. E o Conjunto Mistério teve de acabar para dar lugar ao Quarteto 1111”. Luís Pinheiro de Almeida explica que esta história parte “do testemunho de Edmundo Silva, que foi do Conjunto Mistério e, mais tarde, dos Sheiks, precisamente considerados os Beatles portugueses”. O autor aguarda neste momento a edição, pela Documenta, de Biografia do Yé-Yé, novo livro “onde estas influências na música portuguesa dos anos 60 são explicadas”. Quanto aos músicos mais recentes Teresa Lage refere que o livro inclui “um capítulo sobre um concerto de tributo aos Beatles feito em 2001 e em que músicos participantes como Miguel Guedes (Blind Zero), Mafalda Veiga, David Fonseca, João Gil e Manuel Paulo (Ala dos Namorados), Manuela Azevedo (Clã) e Tim (Xutos & Pontapés) se afirmaram influenciados pelo grupo”. A autora, e também radialista, acredita que hoje “existe uma nova geração de músicos que se terá familiarizado com os Beatles já através da colectânea One e até das remasterizações e do iTunes”
Como possível extensão da ideia que conduz o livro, em 2004 Luís Pinheiro de Almeida coordenou a compilação All You Need is Lisboa, que junta uma série de versões, por artistas e bandas portuguesas, de temas dos Beatles. O disco esgotou e teve referências elogiosas em revistas britânicas da especialidade, como Record Collector, Uncut e Mojo. “Todas elas, curiosamente, deram relevo à versão de Hey Jude pelo fadista Carlos Bastos”, aponta Luís Pinheiro de Almeida. Um segundo volume, no qual tem vindo a trabalhar, “a acontecer”, ressalva, terá “outras novidades, como as versões em português de Yesterday pelos Demónios Negros (de Luís Jardim) e Edmundo Falé (que foi dos Ekos), Something pela voz de Carlos do Carmo e um DVD com Please Please Me, pelo Conjunto Académico João Paulo”.
O impacte dos Beatles em Portugal teve necessariamente expressão na música que por cá se fazia. “Logo na década de 60 essa influência foi visível e há um caso paradigmático relacionado com o Conjunto Mistério e o Quarteto 1111”, sublinha o autor. “Antes dos Beatles, já os Shadows tinha tido grande influência nos conjuntos portugueses (Titãs, Blusões Negros, Telstars, Conjunto Mistério, etc), mas logo que os Beatles apareceram, o panorama mudou. E o Conjunto Mistério teve de acabar para dar lugar ao Quarteto 1111”. Luís Pinheiro de Almeida explica que esta história parte “do testemunho de Edmundo Silva, que foi do Conjunto Mistério e, mais tarde, dos Sheiks, precisamente considerados os Beatles portugueses”. O autor aguarda neste momento a edição, pela Documenta, de Biografia do Yé-Yé, novo livro “onde estas influências na música portuguesa dos anos 60 são explicadas”. Quanto aos músicos mais recentes Teresa Lage refere que o livro inclui “um capítulo sobre um concerto de tributo aos Beatles feito em 2001 e em que músicos participantes como Miguel Guedes (Blind Zero), Mafalda Veiga, David Fonseca, João Gil e Manuel Paulo (Ala dos Namorados), Manuela Azevedo (Clã) e Tim (Xutos & Pontapés) se afirmaram influenciados pelo grupo”. A autora, e também radialista, acredita que hoje “existe uma nova geração de músicos que se terá familiarizado com os Beatles já através da colectânea One e até das remasterizações e do iTunes”
Como possível extensão da ideia que conduz o livro, em 2004 Luís Pinheiro de Almeida coordenou a compilação All You Need is Lisboa, que junta uma série de versões, por artistas e bandas portuguesas, de temas dos Beatles. O disco esgotou e teve referências elogiosas em revistas britânicas da especialidade, como Record Collector, Uncut e Mojo. “Todas elas, curiosamente, deram relevo à versão de Hey Jude pelo fadista Carlos Bastos”, aponta Luís Pinheiro de Almeida. Um segundo volume, no qual tem vindo a trabalhar, “a acontecer”, ressalva, terá “outras novidades, como as versões em português de Yesterday pelos Demónios Negros (de Luís Jardim) e Edmundo Falé (que foi dos Ekos), Something pela voz de Carlos do Carmo e um DVD com Please Please Me, pelo Conjunto Académico João Paulo”.
(continua)