No dia 9 de Maio, Michael Haneke foi galardoado com o Prémio Príncipe das Astúrias (Artes), uma das mais prestigiadas distinções culturais atribuídas em Espanha — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Maio), com o título 'À procura de novos espectadores'.
É sempre delicado encarar um prémio artístico, seja ele qual for, como justificação para grandes generalizações “sociais”. A expressão artística, sendo genuína, distingue-se precisamente pela capacidade de perturbar e dividir. E não será o prestigiado Prémio Príncipe das Astúrias que irá transformar a obra de Michael Haneke em coisa universal, susceptível de comover os programadores de televisão, a ponto de os fazer trocar a mediocridade de reality shows e afins pela perturbação de filmes como Amor, O Laço Branco ou A Pianista...
Ainda assim, importa sublinhar o facto de a obra de Haneke, para além da filigrana dos seus temas e personagens, se distinguir também por um discreto reconhecimento de todos os espectadores que têm visto os seus filmes. Não, não estou a falar da obscenidade dos “consensos” deduzidos das audiências televisivas. Não se trata de ceder à demagogia que, todos os dias, tenta fazer passar a ideia de que os valores e as incidências do consumo de imagens (e sons) se podem quantificar de forma neutra e inquestionável. Trata-se, isso sim, de lembrar que quem arriscar entrar no universo intimista do cinema de Haneke nunca sai com indiferença. Os seus filmes possuem a capacidade rara de nos devolver ao mais radical da nossa identidade. A saber: as tensões e contradições da dimensão humana, impossíveis de compreender (ou apenas de descrever) através da exaltação da “felicidade” que comanda o patético imaginário dos “famosos”.
Esperemos, por isso, que esta distinção aumente as audiências do trabalho de Haneke. Na certeza de que alguns dos que, agora, o vão descobrir não aceitarão que o seu cinema recuse a generalizada infantilização das formas dominantes de ficção e espectáculo. Ser espectador nunca foi simples.