Em grande parte rodado numa aldeia beirã do interior, Lacrau contempla, sob o ritmo com que os minutos ali se contam, as rotinas das águas que correm nos riachos, os passos de quem carrega sacas na cabeça, os passos do gado, os gestos de quem fecha um curral... Mas é da natureza que brota a força (que tem algo de sagrado) que molda as formas, os movimentos, as cores. Formas irregulares (no mais evidente contraste com as frestas de olhares urbanos que irrompem a momentos), que a música – que vai de cantos que escutam tradições à ancestralidade moderna da Dolmen Music de Meredith Monk – tão bem vinca, partilhando o espaço com os silêncios que moram entre aqueles lugares.
O silêncio (e o que entre ele habita) é na verdade a voz maior do filme, sendo frequentes os momentos em que nos cabe a nós, espectadores, o papel de sonorizar, pelos sussurros da respiração de toda uma plateia numa sala escura, as imagens que, mesmo quando observando a natureza, assim nos lembram que são coisa do aqui e do agora. Nossas contemporâneas. Habitadas pelo homem.
Há aqui sinais de uma dimensão poética que parte das imagens, dos sons (e dos silêncios), das intenções (na verdade mais sugestões), deixando-nos um lugar para construir, a partir de uma proposta tão pessoal, uma experiência que também pode ser nossa.
Entre os títulos que fizeram história ao longo dos dez anos de IndieLisboa conta-se o magnífico Life In Loops (A Megacities Remix), que em 2006 nos mostrou a primeira longa-metragem de Timo Novotny, um dos elementos do coletivo austríaco Sofa Surfers. Este ano, a secção Indie Music apresenta-nos Trains Of Thoughts, documentário com afinidades evidentes para com esse outro, mas que foca o olhar a um espaço muito concreto das grandes metrópoles: o metropolitano.
Uma voz, que sabemos ser de Nova Iorque, conta-nos que os comboios do metropolitano refletem a cidade (acrescentando que a cidade está mais segura e que os seres mais bizarros que outrora ali surgiam deram entretanto lugar a uma multidão mais desinteressante). É desta “estação” que partimos para a descoberta daquilo que pode haver de semelhante e contrário entre estes sistemas vasculares que cruzam as entranhas e as ruas das cidades. Entre Nova Iorque, Los Angeles, Hong Kong, Tóquio ou Moscovo observamos túneis e carruagens, olhares que se desviam, figuras que se diluem no anonimato entre a multidão. Histórias ocasionais (como a de um homem que repara que deixou cair uma das suas luvas no meio da carruagem e que, já no cais, com as portas a fechar, reparando que a não pode recuperar, descalça a outra e lança-a lá para dentro – uma luva solitária não faz sentido, o par a quem ali
seguisse para a estação seguinte). E entre tanto em comum (e sob belíssima banda sonora dos Sofa Surfers), acabamos ao mesmo tempo por verificar como, no mundo do século XXI, na idade da globalização, num espaço aparentemente tão impessoal e meramente funcional, podemos afinal apreender ecos que nos permitem sentir que as cidades têm, ainda, personalidades bem vincadas.
Imagens do trailer de Trains of Thaughts
Entre os títulos que fizeram história ao longo dos dez anos de IndieLisboa conta-se o magnífico Life In Loops (A Megacities Remix), que em 2006 nos mostrou a primeira longa-metragem de Timo Novotny, um dos elementos do coletivo austríaco Sofa Surfers. Este ano, a secção Indie Music apresenta-nos Trains Of Thoughts, documentário com afinidades evidentes para com esse outro, mas que foca o olhar a um espaço muito concreto das grandes metrópoles: o metropolitano.
Uma voz, que sabemos ser de Nova Iorque, conta-nos que os comboios do metropolitano refletem a cidade (acrescentando que a cidade está mais segura e que os seres mais bizarros que outrora ali surgiam deram entretanto lugar a uma multidão mais desinteressante). É desta “estação” que partimos para a descoberta daquilo que pode haver de semelhante e contrário entre estes sistemas vasculares que cruzam as entranhas e as ruas das cidades. Entre Nova Iorque, Los Angeles, Hong Kong, Tóquio ou Moscovo observamos túneis e carruagens, olhares que se desviam, figuras que se diluem no anonimato entre a multidão. Histórias ocasionais (como a de um homem que repara que deixou cair uma das suas luvas no meio da carruagem e que, já no cais, com as portas a fechar, reparando que a não pode recuperar, descalça a outra e lança-a lá para dentro – uma luva solitária não faz sentido, o par a quem ali
seguisse para a estação seguinte). E entre tanto em comum (e sob belíssima banda sonora dos Sofa Surfers), acabamos ao mesmo tempo por verificar como, no mundo do século XXI, na idade da globalização, num espaço aparentemente tão impessoal e meramente funcional, podemos afinal apreender ecos que nos permitem sentir que as cidades têm, ainda, personalidades bem vincadas.
Imagens do trailer de Trains of Thaughts