Duplamente oscarizada, com Os Rapazes Não Choram (1999) e Million Dollar Baby (2004), Hilary Swank já não é um valor comercial seguro... Pelo menos, não é tratada como tal. E o filme A Advogada aí está para o confirmar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (31 Dezembro), com o título 'Filmes e tradições narrativas'.
Um mercado cinematográfico faz-se de filmes... Verdade de La Palice. Mas faz-se também do modo como esses filmes chegam aos potenciais espectadores. Dito de outro modo: o momento em que um título é lançado nas salas não é indiferente, podendo condicionar a sua percepção e, em última instância, o seu impacto comercial. Sabemos que esta questão está longe de ser nova. O certo é que, em tempos recentes, tem-se agravado no mercado português, proliferando estreias de filmes que chegam alguns anos depois da sua produção.
Não pretendo, de modo algum, simplificar o que está em jogo nem demonizar seja quem for, até porque não podemos ignorar as especificidades da distribuição/exibição (o “atraso” de um determinado filme pode estar condicionado pelos mais diversos factores técnicos, logísticos ou contratuais). Além do mais, escusado será dizer que o interesse de um filme não se mede pelo calendário... O certo é que vamos assistindo à secundarização de títulos mais ou menos à deriva, correndo o risco de não encontrar o seu público natural. Sabemos também que algum cinema da Europa tem sido especialmente afectado por este estado de coisas, mas importa não simplificar: a produção made in USA, economicamente mais poderosa, está também a sofrer os efeitos de tal situação.
Aí está um novo e esclarecedor exemplo: A Advogada (título original: Conviction) estreou-se entre nós, mais de dois anos depois do seu lançamento americano e também da sua consagração com várias distinções, incluindo o prémio “Liberdade de Expressão”, atribuído pela principal associação de críticos dos EUA (National Board of Review).
O mínimo que se pode dizer de A Advogada é que se trata de uma invulgar reunião de talentosos actores, com inevitável destaque para Hilary Swank, interpretando uma mulher que, crente da inocência do irmão, condenado por homicídio, decide formar-se em Direito para conseguir a reabertura do seu processo. O envolvimento de Swank na própria produção do filme (ela figura no genérico também com a função de produtora executiva) é bem revelador do investimento artístico que o projecto envolveu. Sam Rockwell (no papel do irmão), Minnie Driver, Melissa Leo, Peter Gallagher e Juliette Lewis são alguns dos outros nomes de um brilhante elenco, aliás dirigido por um actor: Tony Goldwyn (que vimos, por exemplo, no Nixon, de Oliver Stone, ou na série televisiva Dexter) assina aqui a sua terceira realização para cinema.
Dito isto, convém acrescentar que A Advogada possui a eficácia muito clássica de um inquérito policial habilmente cruzado com as regras do melodrama familiar. Trata-se, afinal, de um caso exemplar de resistência: filmes com estes pressupostos (incluindo o facto de se tratar de uma história verídica) ilustram a vitalidade de uma tradição narrativa que, creio, não faz sentido menosprezar, inclusive pelo seu valor comercial.