quarta-feira, novembro 14, 2012

A ficção ao serviço da realidade

É sabido que a intenção original de Ben Affleck não era a se ser ele o faz-tudo do filme. Mas perante o fracasso das prioridades que tinha para encontrar o protagonista ele mesmo acabou por vestir em Argo o papel de Tony Mendez, o agente da CIA que comandou uma operação de resgate aos seis elementos da embaixada dos EUA em Teerão que, na sequência dos incidentes de 1979 (o local foi assaltado por populares e os funcionários feitos reféns), se refugiaram junto de diplomatas canadianos na capital iraniana.

Co-produzido por Affleck (que também realiza) e por George Clooney e Grant Heslov (a “equipa” de Boa Noite e Boa Sorte), Argo é, na essência uma recriação da operação de salvamento, cronologicamente arrumada para contextualizar quem eventualmente não se lembre (ou não estivesse por cá na altura) quando este assunto morou nas notícias meses a fio. Junta assim os factos in loco (o assalto à embaixada, a fuga, a vida escondida dos fugitivos e o resgate) à operação secreta montada pela CIA entre reuniões e decisões e chega depois a Hollywood. Porquê? Porque, como ficou esclarecido quando Bill Clinton “desclassificou” este programa (que até então foi coisa Top Secret), o cinema desempenhou um papel determinante neste caso. A operação foi montada dando a ilusão de que uma equipa de rodagem canadiana iria procurar locais exóticos para as filmagens em Teerão. Usaram um argumento real, baseado num livro de ficção científica real. E montaram um gabinete de produção envolvendo nomes reais do panorama de Hollywood. Uma ficção para resolver uma realidade.

John Goodman e Alan Arkin vestem aqui a pele dos rostos de Hollywood na trama e contribuem com um efeito comic relief para a evolução da narrativa (através de sucesivas tiradas sarcásticas aos bastidores da indústria do cinema norte-americano). Argo é apenas um competente filme político com ingredientes de thriller e ação. Não pretende fazer mais senão o era-uma-vez do que aconteceu (apesar de algumas imprecisões históricas). Mas nem tropeça nas armadilhas à telefime habituais em biopics e está uns valentes furos acima do patamar em que mora o lixo que habitualmente se anuncia quando a palavra “ação” surge associada a uma nova estreia.


Imagem do poster do 'Argo' de ficção então criado pela CIA para a construção da ilusão na qual foi baseada a missão de salvamento dos seis americanos.