quarta-feira, novembro 14, 2012

Os caminhos da ficção em Ozon


Este texto é uma versão aumentada de um outro originalmente publicado na edição de 13 de novembro do DN com o título ‘A arte da escrita segundo Ozon’.

O que faz a ficção, que nos agarra às páginas de um livro, uma após outra, desejando o leitor saber o que vem depois?... É esse encantamento que habita a medula de Dans La Maison, o novo filme de François Ozon que, ainda sem data de estreia nacional, conheceu contudo primeira exibição nacional este fim-de-semana no Lisbon & Estoril Film Festival.

Muito claro na narrativa e cuidado (como sempre) na imagem, Ozon apresenta-nos a história de um professor de liceu (interpretado por Fabrice Luchini) a quem a invulgar composição de um aluno chama a atenção. Ao contrário dos colegas, que mal descreviam o fim de semana em duas frases e poucas sílabas, o jovem Claude (Ernst Umhauer) apresenta uma trama que fala do dia em que resolveu entrar na casa de um colega. O professor resolve dar-lhe aulas especiais, ensinando-lhe o que são personagens, obstáculos e técnicas narrativas. Mas, tal e qual o mítico rei Xariar das 1001 Noites acabou dependente das histórias diárias de Xerazade, também o professor e a sua mulher (Kirstin Scott Thomas) dão por si viciados na história da família que Claude começa a visitar e manipular.

Baseado numa peça do espanhol Juan Mayorga (e Ozon já brilhara ao levar a cinema o teatro de Fassbinder em Gouttes d’eau sur pierres brûlantes) o filme reflete sobre a forma como a ficção pode ser uma extensão da realidade ou uma forma de sobre ela agir. Foge do realismo a sete pés e usa o artifício com elegância. Junta comic relief ao abordar as novas “técnicas” ao serviço da pedagogia e o mundo da escrita nos catálogos de arte contemporânea (o próprio universo do mercado da arte dos nossos dias é fonte maior de paródia, centrada na figura da mulher do professor, que trabalha como galerista). Mas no fim acaba por mostrar como, pela ficção, cada um pode (como o título sugere) entrar na casa que desejar visitar.