A Orquestra Nacional de Lyon, dirigida por Jun Märkl, volta a gravar obras de Messiaen. Neste disco (ed. Naxos) apresenta-nos uma obra que André Malraux encomendou ao compositor em 1964 para evocar os mortos das duas guerras mundiais e ainda duas peças orquestrais dos anos 30.
Uma das mais expressivas (e reconhecidas) entre as obras musicais que refletem os dias da II Guerra Mundial, o Quatour Pour la Fin du Temps foi composto por Olivier Messiaen (1908-1992) durante um período em que foi prisioneiro de guerra no campo de Görlitz, na Silésia, a estreia da obra, em 1941, tendo sido inclusivamente efetuada por músicos do próprio campo. Esta não é, contudo, a única expressão das memórias desses dias vividos por Messiaen, representando Et Expecto Ressurectionem Mortuorum, de 1964, um outro olhar sobre aqueles tempos. A obra surgiu de uma encomenda de André Malraux, que na altura desempenhava as funções de ministro da Cultura em França. Malraux pediu ao compositor uma obra que evocasse os mortos das duas grandes guerras. Porém, ao invés de projetar num grande requiem os ecos da dor e do horror do combate, optou antes por sugerir uma reflexão meditativa sobre a morte e a transcendência, traduzindo pela música uma relação com a fé e o divino que, de resto, é central à sua obra. A obra, que usa apenas sopros e percussão e foi pensada para ser apresentada em grandes espaços (da nave de uma grande igreja a terrenos ao ar livre), foi influenciada, entre vários outros elementos, pelas paisagens alpinas que rodeavam o compositor quando trabalhou nesta peça, juntando assim ecos do relacionamento com a natureza, afinal a outra das grandes características da sua música. O alinhamento deste disco junta duas outras peças orquestrais que nos recordam que os caminhos (musicais e reflexivos) que Messiaen tomara nesta obra – que teve estreia em maio de 1965 na Catedral de Chartres – partilhavam interesses com ideias que já dominavam as suas atenções desde muito cedo. Apesar de formalmente mais “clássicas” (de resto Messiaen evitou a lógica de rutura de muitos dos seus contemporâneos e não esqueceu as heranças de Debussy e outros compositores de inícios do século XX), entre Le Tombeau Resplendissant (1931) e Hymn (1932) passam não só sinais de busca por caminhos de expressão de uma relação com a fé que ganhariam expressão maior não apenas na obra que Marlaux lhe encomenda em 1964 (e que aqui escutamos) mas em peças colossais como o oratório La Transfiguration de Notre Seigneur Jésus Christ (1965-69) ou a ópera Saint François d’Assise (1975-83), um dos feitos maiores de toda a sua carreira.