Andrei Zvyagintsev, realizador de O Regresso, está de volta com Elena, um drama familiar que, além do mais, nos permite reencontrar o melhor do cinema russo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um labirinto de luzes e sombras'.
Quando deparamos com as imagens televisivas de um país distante, que realidade detectamos ou pressentimos para lá das convulsões da geopolítica ou do simplismo dos fait divers? De facto, a questão acaba por ser muito mais próxima do que parece: como entendemos o nosso país através das notícias? Será que vivemos num país formatado entre a tragédia dos fogos e a euforia dos palcos “pimba” do Verão?
Não poucas vezes, esse tipo de informação organiza-se a partir de um leque de lugares-comuns que tanto pode resultar de risonha ignorância como de estratégico cinismo. Daí o valor cultural e simbólico da regular descoberta de cinematografias “alternativas”. É verdade que, nesse aspecto, o mercado português continua marcado por significativas limitações. Ainda assim, continuam a chegar-nos filmes que, precisamente contra a facilidade dos clichés históricos ou narrativos, não desistem de nos confrontar com as singularidades da vida quotidiana.
Elena, de Andrei Zvyagintsev, é um desses filmes: uma crónica sobre uma família russa centrada numa figura matriarcal que, perante a doença terminal do marido, faz cálculos muito frios sobre a herança que vai (ou não vai) receber. Dir-se-ia que a mise en scène de Zvyagintsev é cúmplice da frieza da sua protagonista, de tal modo somos conduzidos através das luzes e sombras de um labirinto moral que não esconde a crueza da sua principal revelação: num contexto de clara crise dos laços tradicionais, o dinheiro emerge como um elemento vital do jogo familiar.
Depois do relativo falhanço da sua segunda longa-metragem, The Banishment, Zvyagintsev retoma, assim, o intimismo perturbante de O Regresso: Elena é um bom exemplo de um cinema russo que devíamos ver mais nos nossos ecrãs.