quarta-feira, julho 11, 2012

Falta música à altura da 'persona'...


Antes de tudo mais que fique claro que não é a imagem que falha. Pelo contrário, leva aos espaços da música clássica uma proposta não canónica que pode ser determinante na abertura destes espaços a outros públicos. Não é por acaso que tem havido relatos de concertos de música de câmara em discotecas (as de dançar) em Londres ou nos foyers dos teatros, quebrando formalismos que podem ser barreira a quem não caminha mais frequentemente entre estes espaços da música. Ao Lux, por isso, o aplauso pela abertura a outras músicas (haja mais noites assim).

A música clássica gosta de acolher instrumentistas cool. Com personalidade vincada. Como um Glenn Gould. Uma Jacqueline du Pré. Um Leonard Bernstein. Ou um Gustavo Dudamel. E se os fundamentalistas da laca e do fraque não gostarem, problema deles, não devendo contudo indignar-se, já que não faltam programas no seu comprimento de onda. O que falta é mesmo quem mais vezes faça diferente. Hahn-Bin anuncia, precisamente, uma proposta diferente. Visualmente arrojada. E um discurso que, à primeira partida, faz sentido e define uma personalidade. Ou seja, até aqui nada contra. Antes pelo contrário. 

O que lhe falta é uma relação com a música que traduza a mesma ousadia e personalidade que a sua imagem e discurso sugerem. Porque, visto o alinhamento do concerto que levou ontem ao Lux, e tirando uns breves instantes, o que vimos não foi mais que uma relativamente banal chuva de êxitos de peças daquelas que fazem os alinhamentos de clássicos standard que encontramos até nos discos de supermercado ou bomba de gasolina... Com momento mais constrangedor quando avança por uma transcrição para violino e piano da Habanera, da Carmen de Bizet...

O facto de o violino estar ou não amplificado é debate que aqui não interessa agora. Porque não?... De resto esse é debate com tempero de um ceticismo que não me convence. E de Stockhausen a Steve Reich já temos exemplos suficientes de obras que aprenderam a lidar com música amplificada. Estamos no século XXI, certo?...

O problema em Hahn-Bin também não é do foro interpretativo. Não é, de todo, uma Hillary Hahn, um Gidon Kremer ou um Maxim Vengerov, mas tem técnica, evidente experiência e, em alguns momentos, claras afirmações de uma personalidade interpretativa.

O problema do concerto foi mesmo o alinhamento. E bastou ver como tão bem resultou a sucessão de temas mais focados numa ideia – quando toca Ain’t Necessairly So de Gerswhin, I’m So Pretty de Bernstein e passa até por Over The Rainbow, da banda sonora de O Feiticeiro de Oz – a atuação ganhou sentido e consistência. Não que falhe nas peças de repertório mais “canónico”, mas a opção pelo aplauso fácil e pelo vincar de malabarismos de virtuoso retira à seleção das peças a capacidade de estabelecer um conjunto com personalidade. Na verdade, tirando aqueles breves flirts com música americana do século XX, o alinhamento do concerto podia ser o de qualquer outro violinista. E então perguntamos: para quê o aparato se fica só pela imagem (sendo contudo de sublinhar que o músico sabe estar em palco e tem alma de entertainer).

Ainda uma nota para o alter-ego que se anunciou. Amadeus Leopold... Amadeus, de Mozart. Leopold de Leopold Mozart, o pai de Wolfgang Amadeus... Lembrei-me do Ziggy de Bowie. Que nasceu de uma música e depois deu corpo a ideias... E aí a chave do que falhou... A Hahn-Bin falta mesmo apenas encontrar a música que seja “sua” (não quer dizer que a componha, apenas que a escolha com uma intenção que vá além do mais do mesmo igual aos outros todos) e que suporte um alter-ego que não seja só coisa de vestir em palco e que saia na hora do cabide do guarda roupa. Porque a construção de uma personalidade artística não pode ser só coisa no patamar da cosmética.