sábado, abril 07, 2012

Futebol na TV: ver e ouvir

PAUL KLEE
Balão Vermelho (1922)
O futebol televisivo continua a ser uma padrão fortíssimo, dominador do (des)entendimento social das imagens e dos sons — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Abril), com o título 'O futebol visto e... ouvido'.

1. Afinal de contas, chega um momento em que já não é possível ignorar a excelente performance do Sp. Braga no principal campeonato do futebol português. Sem dúvida porque o simples reconhecimento de tal performance demorou imenso tempo a ter lugar nos espaços televisivos, há um subtexto perverso que vai contaminando muitos discursos: será que “faz sentido” o Sp. Braga estar onde está? Dito de outro modo: independentemente das nuances das vozes individuais, o imaginário televisivo está tão rigidamente formatado que tudo aquilo que escape ao seu determinismo é imediatamente recoberto por uma névoa de suspeição narrativa. Como é possível que algo ou alguém apareça num lugar que a televisão não lhe atribuiu?

2. Na secção de vídeos do site da SportTV, podemos encontrar registos dos lances principais dos jogos da Liga portuguesa de futebol (com possibilidade de acesso jornada a jornada ou por clubes). A secção envolve uma inevitável autocrítica, salutar como poucas. De facto, os fragmentos dos jogos (os golos e os lances principais) surgem depurados da locução em off, o que lhes confere uma energia há muito recalcada: os sons dos estádios intensificam um dramatismo envolvente, afinal de raiz realista. Na prática, compreendemos algo de muito básico e incómodo: muitos dos comentários em off, além de redundantes, mascaram a riqueza da ambiência sonora do evento.

3. É verdade que se ouvem coisas extraordinárias nos comentários de futebol, incluindo essa ideia segundo a qual se “aceita” um resultado (será que, quando for “inaceitável”, se deve anular o jogo, invadir o campo ou crucificar o árbitro?...). Em todo o caso, mesmo quando os comentários são serenos e interessantes, fica quase sempre a sensação de que se olha pouco e se escuta ainda menos. Na verdade, nestes como noutros casos, a televisão, dita um fenómeno de imagens, acaba por ser conduzida pelo som de quem fala. Como se, enfim, a televisão receasse a pluralidade interior de qualquer imagem e necessitasse de lhe impor um sentido único, definitivo e... aceitável.