sábado, abril 07, 2012

A Bósnia filmada por Angelina Jolie (1/2)

Com a sua primeira realização, Na Terra de Sangue e Mel, Angelina Jolie arrisca, de forma brilhante, lidar com as memórias traumáticas da guerra da Bósnia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Abril), com o título 'A guerra da Bósnia revista por Angelina Jolie'.

Ao estrear-se na realização com Na Terra de Sangue e Mel, sobre a guerra da Bósnia, Angelina Jolie não está a seguir uma lógica de marketing, porventura tentando “diversificar” a sua imagem de estrela. É bem certo que essa imagem nunca será estranha a tudo o que ela possa fazer ou dizer. Mas importa recordar que a origem do projecto está ligada a uma missão muito específica da actriz, exterior à sua inserção na indústria de Hollywood: foi enquanto embaixadora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (presidido, desde 2005, por António Guterres) que, numa visita à Bósnia, Angelina Jolie começou a contactar com a complexa herança política e afectiva da guerra, acabando por decidir escrever um argumento para um filme.
Nesse processo, viria a encontrar um conselheiro especial na pessoa de Richard Holbrooke (1941-2010), um dos diplomatas americanos que trabalhou nas negociações que conduziram aos Acordos de Dayton (que puseram fim aos combates, em Novembro de 1995). Para ela, tratava-se de construir uma visão que conferisse particular ênfase ao facto de a guerra ter sido travada por pessoas que, para além de todas as tensões (sociais, culturais ou religiosas), tinham convivido de forma pacífica na antiga Jugoslávia. E de tal modo se sentiu emocionalmente tocada pelos factos que acabou por se envolver na produção do filme, com a GK Films do britânico Graham King (ligado a vários títulos de Martins Scorsese, incluindo A Invenção de Hugo), decidindo por fim assumir as tarefas de realização.
Na Terra de Sangue e Mel expõe os horrores da guerra a partir de uma complexa história de amor (ou da sua impossibilidade). No centro do filme está o par formado por Ajla (Zana Marjanovic) e Danijel (Goran Kostic): ela uma mulher de origem muçulmana, ele um soldado do exército sérvio. O seu envolvimento amoroso antes da guerra vai prolongar-se, de forma tão estranha quanto perturbante, quando Ajla dá entrada num campo de prisioneiros em que Danijel é um dos principais oficiais. Mais do que isso: o tratamento brutal das mulheres e os massacres de civis muçulmanos que vão sendo perpetrados pelos sérvios conferem à tragédia do par a dimensão de símbolo cruel de um conflito cujas ressonâncias persistem nos Balcãs e, em boa verdade, na consciência histórica de todo o continente europeu. Como a própria Angelina Jolie já referiu numa declaração formal: “É um filme a que não é fácil assistir, mas sentimos que é importante recordar a guerra da Bósnia e reflectir sobre os seus temas.”

>>> Angelina Jolie, entrevistada por Bob Simon, no programa 60 Minutes (CBS).