A Internet é uma das maiores aliadas dos quatro apresentadores para se prepararem para Estreia da Semana. "Como não temos oportunidade para ver os filmes de que vamos falar, baseamos toda a nossa pesquisa nos trailers que já saíram e nas informações existentes na Internet", revela Luísa Barbosa, que no ano passado apresentou o 5 para a Meia-Noite. Além disso, alerta Bruno Pereira, "consegue-se sempre ir ao YouTube ver cenas de filmagens que os fãs gravaram e colocaram online, assistir a making of e a entrevistas" com atores e realizadores. "Se fizéssemos este programa há uns anos era bastante mais difícil", completa o apresentador, que já colaborou em formatos como Olá Portugal (TVI), Geração High Tech (MOV) e DestinUs (RTP2).
in Diário de Notícias (19/03/2012)
Lê-se esta notícia e a nossa inteligência (porque, hélas!, ainda não desistimos de a ter e de a usar) sente-se confrontada com a miséria mais absurda que pode atingir essa nobre arte de conhecer/pensar o mundo que dá pelo nome de jornalismo. No ano da graça de 2012, num país apesar de tudo já liberto da herança mais brutal da Idade Média, há quem faça um programa de televisão sobre essa coisa que respeitamos e que dá pelo nome de cinema, vindo declarar publicamente, com um sorriso de triunfante boa disposição, que "como não temos oportunidade de ver os filmes de que vamos falar...", etc., etc., etc.
Ficamos mesmo a saber que nada disto resulta de distracção ou apenas de um péssimo sentido de humor. Nada disso:
Bruno Pereira faz ainda questão de referir que os guiões de Estreia da Semana são escritos pelo apresentador de serviço. "Nós não somos uns 'papagaios' que vamos ali ler através do teleponto. Nós escrevemos os nossos textos, até porque estamos ali para dar as nossas opiniões sobre os filmes. É isto que os espectadores podem esperar de nós: que nós falemos daquilo que nos toca", afirmou.
Vamos ser tolerantes. Isto é, vamos fazer um esforço para acreditar que os envolvidos nunca tiveram uma fracção de segundo para pensar no que estão a fazer (e que também ninguém se esforçou por lhes transmitir o gosto de pensar o seu trabalho). Sendo assim, importa concluir que conseguem uma proeza invulgar, em três partes:
1 - reduzem a prática jornalística a um exercício da mais obscena irresponsabilidade;
2 - gozam com qualquer forma séria de abordagem do cinema, celebrando uma arbitrariedade cognitiva que se confunde com a mais pueril irresponsabilidade deontológica;
3 - enfim, transformam o cinema numa caldeirada de patetices que pode ser tratada a fazer o pino sobre a cabeça do Cristo Rei (mas, para maior glória dos valores televisivos que representam, sem ver os filmes).
Enfim, sem falsa modéstia, devo confessar que o estilo já me contagiou: mesmo sem ver, não tenho dúvidas que Estreia da Semana já tem um lugar na história da irrisão televisiva à portuguesa — um clássico, enfim.