Como é que a estreia do filme Os Marretas se reflecte no território de onde são originários, isto é, a televisão? A resposta é: não se reflecte. Este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Fevereiro).
A estreia do filme Os Marretas, de James Bobin, com Amy Adams e Jason Segel, suscitou algumas evocações do universo criado, em meados dos anos 50, por Jim Henson (1936-1990). Afinal de contas, os programas gerados pela sua produtora, Jim Henson’s Creature Shop, marcaram de forma indelével a história da televisão, em particular através de séries como The Muppet Show e Rua Sésamo.
Seja como for, não se pode dizer que estejamos a assistir a um qualquer processo revalorização de Os Marretas, para todos os efeitos um clássico da história da televisão. Bem pelo contrário: as formas de evocação dos marcos da história televisiva, além de escassas, estão imbuídas de uma beatitude nostálgica que tem tanto de esquemático como de moralista. Faz-se mesmo passar a ideia de que tudo o que vem de um “passado” mais ou menos distante só pode estar marcado por uma fraqueza estrutural que, na melhor (?) das hipóteses, lhe confere o estatuto de coisa pitoresca e caricata.
Não será por acaso que, desde os concursos aos reality shows, o populismo televisivo tende a favorecer a proliferação de imitações. Não se imita porque se conheça (ou para conhecer) o passado, mas sim em nome de uma arrogância intelectual que, em boa verdade, contaminou todo o espectro televisivo: tudo se passa como se o presente esgotasse o nosso entendimento do que somos, reduzindo a herança do passado a um emblema nostálgico, banalmente decorativo, que esvazia pensamentos e sensibilidades.
É a lógica ideológica do Big Brother a triunfar em toda a linha: ninguém tem história porque, supostamente, a história de cada um só adquire consistência através da exposição que a televisão lhe dá. Pensei nisto, uma vez mais, há dias, depois de ver o mesmo treinador de futebol, numa mesma manhã, em vários canais de televisão, mais de uma dezena de vezes a repetir a mesma diatribe contra um penalty que terá ficado por marcar... Quando o quotidiano televisivo se constrói a partir de efeitos de repetição deste teor, o presente é uma máquina de ressonância e o passado não existe. É bem provável que, para alguns, até mesmo a inteligência herdada de Os Marretas seja suspeita.