sexta-feira, janeiro 20, 2012
Viver a história (quando ela contece)
É no mínimo um privilégio podermos assistir à história quando ela acontece frente aos nossos olhos. E se tantas vezes imaginamos como seria ver Mahler a dirigir as suas obras em inícios do século XX ou estar numa plateia quando Liszt nos começou a habituar à ideia de ver um pianista como centro das atenções num serão de música, em janeiro de 2012 temos a oportunidade de contar, pela nossa frente, e ao vivo, com um dos maiores talentos na composição do nosso tempo. Com apenas 31 anos (e no currículo já uma multidão de obras, discos gravados, prémios e elogios), o britânico Thomas Adès é lisboeta ao longo desta e da próxima semana, num pequeno ciclo que a Gulbenkian nos propõe e que culminará com a apresentação de Polaris: Voyage For Orchestra, uma obra co-encomendada pela fundação que o compositor apresentará à frente da Orquestra Gulbenkian nos dias 27 e 28.
Ontem o primeiro concerto com obras e direção de Adès teve (como os demais deste ciclo) o mérito de juntar a sua música à de outros compositores (e outros tempos), mostrando como a história, mesmo quando a aponta noutros sentidos, vive de uma soma de factos que habitam, inevitavelmente, na memória do que acontece hoje e se projeta adiante. Foi por isso curioso que o concerto começasse com três estudos que Adès criou em 2006 tendo por base uma admiração maior pela música de François Couperin (1668-1733), cuja memória visitara já, nos anos 90, em Les Barricades Mystérieuses. Da música de Couperin (cujas marcas são reconhecíveis) Adès parte em busca de novos caminhos que ora descobre em abordagens mais centradas na textura ou na cor, o balanço entre o antigo e o presente, o visitante e o visitado, diluindo-se entre a orquestra (a Chamber Orchestra of Europe) frente aos nossos olhos.
Mais intenso ainda foi o momento em que Adès, já na segunda parte do concerto, deu voz ao seu absolutamente magnífico Concerto para Violino (de 2005). Herança direta das ideias desenvolvidas na sua segunda ópera (The Tempest, que a Gulbenkian apresenta em versão filmada esta segunda-feira), o concerto faz do violino uma voz que caminha o seu trajeto ao lado de uma orquestra que desenha motivos que ganham forma numa dinâmica circular, umas vezes afastando-se noutras aproximando-se da turba que se desenvolve ao seu redor. Há um jogo de contrastes nos sons, na energia, na fragilidade da voz do solista (que contou em cena com um soberbo Pekka Kuusisto) e um sentido de arrumação que é expressão do rigor técnico e da expressão de uma individualidade na composição de Adès.
Um Nuits d’Eté de Berlioz (com segura presença do tenor Toby Spence) e uma viçosa Sinfonia Nº 6 de Sibelius completaram o programa de uma noite que brilhou sobretudo pela oportunidade de nos colocar frente à música do século XXI.