ROY LICHENSTEIN The Melody Haunts My Reverie, 1965 |
1. Curioso fenómeno social & mediático: os dinheiros do futebol... não se discutem!
2. Movem-se grandes campanhas de moralização porque alguém administra alguma coisa ganhando, por exemplo, 10 mil euros. Faz-se mesmo passar a ideia justiceira (?) segundo a qual todas as penalizações que se puderem abater sobre esse "alguém" (cuja competência, dignidade ou dimensão humana, entretanto, foi reduzida a zero) contribuirão para criar um mundo mais feliz e, sobretudo, com menos pobres. Ao mesmo tempo, ninguém questiona os 50 mil euros mensais que Paulo Bento aufere como seleccionador nacional de futebol (cerca de 1/3 do valor pago ao anterior seleccionador).
3. Voltei a lembrar-me deste sistemático recalcamento social do futebol como fenómeno económico-financeiro a propósito das notícias que deram a conhecer os valores dos prémios previstos para os jogadores da selecção nacional: 2800 euros pela vitória sobre a Bósnia, 30 mil pela convocatória para o Euro2012.
4. Escusado será dizer que são valores inapelavelmente ridículos face ao que os mesmos jogadores recebem nos respectivos clubes. Mas a questão não é a de saber se é "muito" ou "pouco". Trata-se antes de ficarmos por uma pergunta didáctica: porque é que todas as medidas de dinheiro são boas (?) para discutir os mais diversos problemas sociais, mas nenhuma delas é, pelo menos, evocada para avaliarmos a inserção social do futebol?
5. Há mesmo toda uma cultura da difamação-pelo-dinheiro que, por exemplo, está pronta para lançar automáticas suspeitas sobre um artista que, pago ou não pelo Estado, possa auferir 30 mil euros por uma determinada criação (mais ou menos "interessante", não é isso que está em causa). É a mesma cultura que trata o futebol como uma zona asséptica em que os temas transversais da sociedade fazem ricochete e vão sempre exprimir-se noutro lugar.