quinta-feira, setembro 08, 2011

A cultura segundo Paulo Bento


1. Leio nos jornais que Paulo Bento mantém a sua posição face a Ricardo Carvalho, recusando qualquer hipótese de o jogador, sob a sua direcção, voltar a jogar na selecção portuguesa. O facto merece registo e reflexão, quanto mais não seja porque, porventura sem o saber, Paulo Bento tem entre mãos uma das mais delicadas questões culturais que atravessam o quotidiano português.

2. Não ironizo, longe disso, quando falo de cultura a propósito da selecção portuguesa de futebol. Aliás, nunca ironizo quando lembro que, pelos agentes do futebol, passam algumas dimensões vitais da cultura portuguesa do presente: mal ou bem, com maior ou menor talento, eles são protagonistas e indutores de valores que marcam o nosso pensamento, aquilo que somos, desejamos ser ou imaginamos poder ser.

3. Paulo Bento tem a oportunidade rara de dar um exemplo de tolerância e apaziguamento num espaço público – o futebol – que é quase todos os dias encenado como uma paisagem de continuados conflitos (e não será preciso repetir que, infelizmente, algum jornalismo, nomeadamente de raiz televisiva, tem sérias responsabilidades nesse estado de coisas).

Ricardo Carvalho
4. Não se trata, entenda-se, de minimizar o gesto errado de Ricardo Carvalho (quando, ao pressentir que não ia ser titular no jogo com o Chipre, abandonou o estágio da selecção). Mas importa também não escamotear que o jogador já cumpriu as penosas exigências mediáticas das desculpas públicas e, mais do que isso, mantém relações calorosas com o seu colega Pepe (eventualmente o primeiro visado do seu gesto irreflectido, já que seria ele a assumir a titularidade).

5. Pertence, agora, a Paulo Bento a possibilidade de vir afirmar a sua autoridade através de um gesto de perdão e apaziguamento. Há duas boas razões para o fazer: primeiro, o futebol português está cheio de factos grosseiros e chocantes perante os quais o comportamento de Ricardo Carvalho parece, de facto, um evento minimalista; segundo, auferindo cerca de 50 mil euros/mês, Paulo Bento tem o imenso espaço de manobra de quem não é todos os dias atacado pela mediocridade jornalística que vê em cada quadro bem pago (por muitíssimo menos...) um imediato suspeito de lesa-patriotismo – por uma vez, é tempo de alguém do mundo do futebol dar mostras da grandiosidade moral que o povo dele continua a esperar.