De que falamos quando falamos de televisão? Ou melhor: como é que a televisão fala... da televisão? – este texto integrava uma crónica publicada no Diário de Notícias (14 Outubro), com o título 'Atribulações do consumo'.
A propósito de Mildred Pierce, protagonizada pela admirável Kate Winslet, diz o texto informativo da Fox Life que se trata de “mais uma série que mostra o poder feminino ao contar a história de uma mulher independente que luta para ser algo na vida”. É tudo verdade, claro...
Mas convenhamos que não seria fácil exceder tão apoteótica banalidade descritiva. Esperei até, confesso, que vivendo quase toda a televisão contemporânea viciada nos temas “polémicos” ou “escandalosos”, se promovesse Mildred Pierce também através do nome do seu realizador, Todd Haynes, evocando, por exemplo, a sua abordagem do imaginário gay em Poison (1991) ou a insólita estrutura narrativa que propôs em I’m Not There (2007), sobre Bob Dylan. Aliás, seria também interessante reparar que a mini-série está assinada como “a film by Todd Haynes”, retomando uma terminologia já assumida por Mike Nichols quando dirigiu Anjos na América (2003). Mas não: há uma espécie de formatação das promoções que, em boa verdade, só não consegue anular a energia criativa que os próprios objectos contêm.
E Mildred Pierce, não tenhamos dúvidas, é um daqueles momentos de excelência em que a televisão, sem rejeitar a contaminação cinematográfica, se afirma como extraordinária linguagem do nosso presente. Como refere o texto promocional, lembrando a odisseia dramática da heroína: “Isto em muito se assemelha aos dias de hoje e às batalhas particulares de cada um devido à crise económica mundial.” Ora aí está!