segunda-feira, setembro 19, 2011

Mês Björk (19):
Os Sugarcubes, segundo Mário Lopes



Ao longo deste mês que o Sound + Vision dedica a Björk contamos com uma série de colaborações. Hoje publicamos um texto sobre os Sugarcubes assinado por Mário Lopes, jornalista do jornal Público. A ele o nosso muito obrigado pela colaboração. 

Não será o legado mais desejável para uma banda, mas é um legado justo. Os Sugarcubes, e a relevância dos Sugarcubes, só são medidos por aquilo que se lhes seguiu. A banda onde encontrávamos a jovem Björk, formada segundo a ética libertária, contestatária e multi-artística do punk, ganhou direito a um rodapé na história da música popular urbana por representar o segundo antes do momento zero na carreira que arrancaria com Debut, em 1993.

Certo que os Sugarcubes, descendentes dos KUKL, a banda punk de Björk que viajou pela Islândia e pelo Reino Unido com os históricos Crass, foram o primeiro caso de sucesso musical relevante internacionalmente (à escala indie, claro) de uma banda da pequena ilha. Certo também que hoje já ninguém referirá isso: porque o sucesso musical relevante de Björk, logo a seguir, ofuscou por completo esse feito. E isso, repetimos, não será o mais desejável para aqueles que formaram os Sugarcubes em 1986 (reza a lenda, no preciso dia em que nasceu Sindri Eldon, filho de Björk e do guitarrista Þór Eldon). Mas, ouvindo hoje a banda de Hit, torna-se óbvio o seu carácter subalterno, torna-se evidente que serviu de casulo protector de um talento que não poderia ficar confinado à lógica clássica de uma banda.

Björk afirma regularmente, como o fez agora, em antevisão do lançamento de Biophilia, que a sua música e a sua visão artística nascem da colaboração, da reunião de talentos de diversas áreas que, conjugados, originam um todo com assinatura comum. Mas é ela o catalisador das colaborações e é ao serviço das suas ideias que respondem os músicos, designers, programadores ou videastas por ela convocados: Biophilia poderá ser, como diz, uma obra de colaboração total, mas é o seu nome que se destaca na capa, é para ela que se dirigem todos os olhares. Conhecendo o seu percurso até hoje, vemos como óbvio que Björk não poderia estar numa banda, seguindo a lógica de funcionamento democrático de uma banda. É quem é, singular como é, por seguir o seu percurso sem interferências, no total controlo das operações. Os Sugarcubes eram pequenos demais para ela, demasiado conservadores para as suas ambições. Ouvimo-los, hoje, e é isso mesmo que sobressai.

Alinhados com a efervescência pós-punk, cujos ecos ainda se faziam sentir na comunidade independente, a banda que editou Life's Too Good (1988), Here Today, Tomorrow Next Week (1989) e Stick Around For Joy (1992), aplicava ironia pós-moderna (o cantar “discursado” de Einar Örn próximo dos B-52s, como melhor exemplo disso) em música que se aproximava das experiências fusionistas dos Talking Heads, fazendo colidir o apelo dançante do funk (branco neve, glaciar) com guitarras ruidosas ou utilizando a pop (tal como uns Sundays) como matéria escapista perante as convulsões do mundo (e aí, a voz de elfo de Björk, ora ciciada, ora gritada e soluçada, ganhava destaque).

Ouvindo-os hoje, contextualizamos imediatamente o momento histórico em que nasceram. Por uma simples razão: a ambição desta música era demasiada para o talento dos seus membros e, como tal, não conseguiu ultrapassar o seu tempo. Os datados Sugarcubes ficaram presos naqueles seis anos, de 1986 e 1992, em que estiveram activos. Björk, a cantora, não se poderia demorar por ali muito tempo. Ela não queria pertencer a um tempo. Queria inventar o seu. Sabia perfeitamente como o conseguir. Depois dos Sugarcubes, acabou o período formativo. Björk seguiu sozinha. Os Sugarcubes ficaram para trás, como nota de rodapé. Digna, certamente, mas não mais que um pormenor no grande esquema das coisas “Björkianas”.